Entrevista

Escritora e mãe de dois filhos conta como é viver com HIV

Mãe e profissional, ela destaca que, após o positivo, o processo de luto é natural, mas é preciso seguir em frente rodeado de amor e boas informações

Thais Renovatto
Thais Renovatto e família (Reprodução)

O vírus do HIV, por muitas décadas, foi tachado como algo relacionado diretamente à homossexualidade, um dos tabus que cercam o assunto mundo afora e que atrapalha a informação proficiente acerca do tema. Além de tudo, a fragilidade ocasionada após o diagnóstico pode desencadear doenças como a depressão, que afeta em torno de 5,8% dos brasileiros, alerta estudos.

Thais Renovatto, hoje mãe de dois filhos, escritora, embaixadora do projeto social Criança Aids, palestrante e Autora do Livro 5 anos Comigo, em conversa com o Observatório G, contou um pouco de como é viver com HIV.

1- Quando uma pessoa descobre o vírus HIV em seu corpo, imagino que seja natural as sensações primárias de angústia, incerteza e vulnerabilidade. Como você se sentiu quando se deparou com o positivo no exame?

“Todo mundo tem esse choque, é muito difícil você ter informação. Você se envolve mais e descobre sobre a condição quando está vivendo. Muita gente tem a imagem dos anos 80, eu tinha um pouco isso, mesmo sabendo que tinha evoluído um pouco, mas ainda mantinha a imagem dos anos 80. Então, pra mim foi um choque como para todos, mas o agravante foi por eu ter descoberto quando o meu então namorado estava no hospital e no leito de morte, com Aids no estágio terminal, quando a família dele me contou. Então, eu pensava – “Eu também vou morrer assim”, o sentimento de primeiro impacto foi de morte, acabou minha vida, essas foram as primeiras sensações”.

2 – Com o avanço da medicina e até do tema no debate, é plenamente possível viver bem com HIV. Isso confere? Você consegue dizer hoje que vive bem?

“Sim, hoje eu consigo viver muito bem. Antigamente você tomava vinte remédios e mais vinte comprimidos por conta dos efeitos colaterais. Hoje você consegue viver muito bem. A grande maioria das pessoas não tem efeitos colaterais, ou tem pouquíssimos. Você muito rápido se torna indetectável, isto é, com pouco vírus no corpo, que, nessa condição, a doença não evolui e você não consegue transmitir para as pessoas. Quando se chega nesse estágio é uma vida normal, claro que com cuidados, mas como qualquer pessoa. É possível viver bem, ter uma vida relativamente normal. Eu vou ao médico de 8 em 8 meses, para saber se sigo indetectável. Eu pude ser mãe, né. Acho que isso é o ápice da evolução. Eu sendo uma mulher HIV positivo e tive duas crianças negativas, tomando cuidados. Eu não pude amamentar, na minha época parto era preferencialmente a Cesária. Hoje pode ser normal, as crianças tomam um xarope nas primeiras semanas de vida. Então, é uma vida bem normal, tanto minha com meus filhos, eu mesma, e no meu relacionamento”.

3 – Você e seu marido formam um casal sorodiscordante, certo? Vocês usam camisinha sempre? Quando há uma disciplina no tratamento correto, o vírus pode não transmitir (não sei o termo adequado, seria algo como indetectável, porque diminui a carga viral?) 

“Sim, eu e Rodrigo, meu marido, somo um casal Sorodiferente, né, se diz assim. Sorodiscordante traz alguns estigmas, então falamos sorodiferentes – quando um é positivo e outro negativo. Nessa situação, o correto seria o uso da Prep – quando um é positivo e outro negativo, quando uma pessoa não se adapta ao preservativo, aí você toma continuamente um comprimido parecido com o meu. Como eu vivo em uma relação fechada e eu estou indetectável, intransmissível, há 7 anos, então nós não usamos preservativos, nunca usamos, aliás. O indetectável é aquele que, além de ter pouco vírus circulando no corpo, ele não tem mais o vírus nas vias sexuais. No caso, se fosse homem, ele não teria mais o vírus no sémen. Então, nesse sentido, muitos casais optam por não usar o preservativo, é o nosso caso”.

4 – Ainda há discriminação, isso é fato. O que você acha que pode ser feito, além das questões legais que avançaram, mas nas atitudes, para que o preconceito diminua?

“Há preconceito. Foi feito pela mídia nos anos 80 essa coisa da “peste gay”, que ainda não se desfez. Por mais que tenham ocorrido evoluções, essa parte social ficou estagnada nos anos 80. Quando você vive, naturalmente se informa mais, quando não, só se depara com algumas coisas. A gente não vê políticas públicas, só algumas coisas no 1º de dezembro, Dia mundial da luta contra a Aids. Quando a gente fala de comunicação em massa, temos poucas coisas. As pessoas conservadoras não querem falar sobre sexo, pois acham que, falar de sexo, é ensinar crianças a transarem. Quando na verdade se resume a criança saber o limite de alguém no seu corpo. Quando você ensina para uma adolescente que existe a Aids e a gravidez, então tem que usar preservativo, ela fica mais empoderada por conta da informação. Eu acho que deveria ter comunicação de massa, a parte pública aí está faltando. É preciso informar as pessoas”.

5 – Você contraiu o vírus dentro de uma relação hétero, o que prova que ninguém está incólume a ele. Você acha que a desinformação sobre o HIV começa com as pessoas que acham e disseminam que o vírus está atrelado somente a gays? O que esta informação errada pode ocasionar?

“Essa informação é pesada e bobo isso, delimitar um grupo de risco. Na verdade, há um comportamento de risco, e este comportamento é você transar sem se proteger, e isso pode acometer qualquer pessoa. Eu pensava muito isso, meu namorado não era gay, era pós-graduado, achava que o HIV estava muito longe da gente, pensava que era algo mais marginalizado, tinha outra imagem. E não, está aí, muitos casais héteros. Muitas mulheres que tiveram um único relacionamento e foram infectadas pelo marido, por algum relacionamento que ele tem fora. Tem mulher que pode passar amamentando, o cara trai a mulher, ela amamenta e passa para o bebê. Então assim, se a gente não se cuidar como mulher, não tem como controlar. A informação errada faz isso, faz as pessoas estacionarem em um conforto que não existe, uma coisa idealizada. Então, a gente fica em uma posição de segurança errada, quando o risco está em um comportamento que se resume a não se proteger”.

6 – O que você diria para alguém que descobriu o vírus recentemente?

“Eu diria o que digo sempre, desde o meu livro, que conto tudo sobre maternidade, de poder gerar crianças negativas, desde que publiquei o livro recebo muitas mensagens e acolho muita gente. O que digo para essas pessoas é, primeiramente, se rodear de boas informações, bons médicos e não ficar procurando groselhas na web – “Vou morrer de HIV”, vai aparecer que sim. Ter boas informações, isso é importante. Se rodear, além da informação, de amor. Uma rede de amor é importante, essa parte é tão importante quanto o tratamento. Você ter uma família, amigos, um grupo de apoio, saber para quem contar. Eu diria e digo como terceiro ponto, que a gente se preocupa muito com o pensamento dos outros, com a reação dos outros diante de uma situação que é muito nossa. Então, tenta, depois que passar esse momento de luto, você viver esse momento, mas depois deixar isso para trás e seguir. Não precisa contar para todos na internet, você pode deixar no anonimato, mas que você esteja bem resolvido com isso. E que você conte quando e para quem se sentir confortável. A opinião dos outros é só dos outros. A gente se preocupa com isso e esquece que tem uma doença biologicamente que está bem evoluída, mas tem a doença social, que mata e estigmatiza. A gente tem controle em saber que as coisas mudaram, estamos em 2021, muitas evoluções positivas na medicina”.