Entrevista

Jovem intersexo esclarece o tema e fala sobre desafios entre trans e cis

A luta de pessoas intersexo fala sobre autonomia

João Marcuss Leite
João Marcus Leite (Reprodução)

A luta das pessoas intersexo perpassa na tentativa de transcender a visão de que esses sujeitos têm uma carga biológica problemática. Essa população possui variações no corpo que fogem do padrão binário, essas variações podem ser genitais, gônadas e padrões cromossômicos. A interpretação que costuma categorizá-los como anômalos desencadeia a perda da autonomia e do poder de decisão sobre os seus corpos. Pessoas intersexo entendem que a ‘correção cirúrgica’ forçada não é a solução, visto que a constituição da identidade, relacionamento com o mundo interno e externo, virá com o entendimento e autopercepção daquele sujeito dentro da realidade em que ele está inserido. Para George Herbert Mead, a individuação é resultado, também, de um processo de socialização.

No caso do psicólogo John Money, por exemplo, que tentou validar a sua teoria sobre neutralidade de gênero e submeteu uma criança a uma cirurgia forçada, foi falha e desumana, pois negou ao sujeito a oportunidade de desenvolver a sua identidade com autonomia.

Para clarificar algumas dúvidas sobre intersexo, o Observatório G conversou com João Marcus Leite, ativista da Associação Brasileira Intersexo, ABRAI. Ele está no Tik Tok como milkjoao e Instagram joaofleitte.

1 – Intersexo vai além da ambiguidade genital. Existem outras variabilidades na qual a ambiguidade apresenta-se como uma dentre muitas. Poderia falar um pouco sobre essas variações? 

Nasci com uma ambiguidade genital aparentemente masculina com testículos internos, mas com uma malformação congênita no pênis, onde o meato da minha urina não se desenvolveu corretamente. Ocorreu, então, uma mutação genética fazendo com que eu adquirisse a condição chamada de hipospádia, com uma mescla de pseudo-hermafroditismo.

*Hipospadia é uma condição congênita em que a abertura do pênis encontra-se na parte inferior do órgão

2 – O que seria um intersexo cisgênero e o intersexo transgênero?

A pessoa intersexo que é cisgênero é aquela que foi identificada com um gênero no nascimento e veio a se identificar com o mesmo, independentemente da condição intersexo. Já a pessoa trans intersexo é aquela que foi identificada com um gênero no nascimento e não se identifica com o mesmo ao se desenvolver, fazendo a transição de gênero. Em outros países onde há reconhecimento do 3 sexo/gênero, as pessoas intersexo que se identificam com o gênero imposto no nascimento também são chamadas de  ipsogênero, pois uma pessoa cisgênero seria apenas aquela que se identifica com seu gênero de nascimento e são endosexo (ou seja, não são intersexo). Partindo do pressuposto que pessoas endosexo não passam pelas mesmas experiências de vida que as intersexo, mesmo quando a pessoa intersexo se identifica com o gênero atribuído ao nascimento.

 * Ipso(gênero) é uma pessoa intersexo que se identifica com o mesmo gênero que lhe foi atribuído

* Endosexo – Todas pessoas que possuem características sexuais que se encaixam nas típicas noções binárias

3 – Pessoas intersexo, muitas vezes, são tachadas de anômalas, porque são vistas como raridade. Você saberia estimar a quantidade de pessoas intersexo que existe? 

Estima-se que no mundo 1,7% da população apresenta alguma variação corporal congênita Intersexo. Quando se trata de genitália atípica, o numero compreende apenas uma parcela dos estados intersexo, sendo 1 a cada 2 mil nascimentos.

4 – Muitos conservadores se preocupam com a cirurgia genital (redesignação) de pessoas trans, pois dizem que é um procedimento invasivo e traumático; costumam citar o caso do Dr Money de forma equivocada. Mas a mutilação genital e a mudança na anatomia de um bebê intersexo que não pode consentir sempre fica para escanteio, é um tema pouco tocado. Já vi relatos de depressão por conta da cirurgia forçada. Em sua opinião, o que deve ser feito para que o direito dessa pessoa Intersexo seja respeitado desde sempre?

Vale lembrar que, quando usam Money para atacar a militância trans, esquecem que o mesmo resumiu papeis de gênero, e gênero em algo que pode ser moldado e em cima de estereótipos de gênero, algo que o movimento trans tenta descontruir quando se refere as questões trans. Sem falar que o mesmo, defendendo o gênero como sendo algo neutro no ser humano (algo que já caiu por terra), defendia indiretamente as terapias em pessoas trans, e diretamente as cirurgias em pessoas intersexo. Sendo que esse protocolo de cirurgia e sigilo, ainda é muito usado no Brasil em pessoas intersexo quando realizam intervenções médicas sem consentimento.  

O ideal é que a cirurgia seja feita quando a pessoa puder consentir de forma livre e esclarecida e, na infância, acompanhar problemas relacionados a saúde (física, mental e social), algo defendido pela ONU e recomendado pela OMS. Da mesma maneira que se faz com crianças trans: acolhimento, escuta, acompanhamento social e psicológico, quando se faz necessário bloqueio e a cirurgia como parte final do acompanhamento.

5 – Como estão as questões legais e políticas hoje? Aqui falo sobre o reconhecimento da pessoa intersexo, o registro.

Não existe reconhecimento, o registro é de sexo ignorado pra quem nasce com sexo ambíguo.

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