Por meio de um comunicado oficial, a associação Mundial de Treinadores de Natação (WSCA, na sigla em inglês) expressou o desejo de articular uma categoria estritamente para pessoas trans.
A decisão vem após o imbróglio, especialmente depois de Lia Thomas se destacar no esporte de uma forma extranatural. Aqui no Brasil, quem encampou essa discussão, seja nas redes sociais, programas e em audiências na câmara, foi a ex-jogadora Ana Paula Henkel.
“A introdução de um modelo novo e diferente no âmbito competitivo do esporte oferecerá uma opção alternativa para atender às necessidades de todas as pessoas”.
“Mulheres transgênero são, em média, propensas a manter as vantagens físicas listadas acima, mesmo que a supressão de testosterona seja utilizada”, prossegue.
“A categorização por sexo de nascimento continua sendo a divisão mais útil e funcional em relação ao desempenho esportivo. Ela reconhece a ampla gama de diferenças significativas de desempenho entre os sexos. Assim, o esporte da natação deve manter a categorização tradicional de sexo – em associação com a idade e, quando apropriado, deficiência – ao mesmo tempo em que encontra um modelo de inclusão para atletas transgêneros”, finda.
Os estatutos da NCAA permitem que atletas transgêneros compitam com mulheres se tiverem sofrido supressão de testosterona por um ano.
Polêmica
Cynthia Millen, veterana da USA Swimming, causou polêmica em janeiro deste ano ao comentar o caso da nadadora Lia Thomas.
“A natação é um esporte em que corpos competem com corpos, não são em que identidades que competem com identidades”, disse ela.
“Os meninos sempre terão maior capacidade pulmonar, corações maiores, sistema circulatório maior, esqueleto maior e menos gordura. Não importa quanto tome de drogas inibidoras de testosterona, ele sempre será um homem biológico e terá estas vantagens”, falou.
Também há quem saia em defesa das diretrizes que controlam quem participa ou não.
Jacob Pebley e Madeline Groves falaram sobre o caso em janeiro- “Se realmente entendêssemos o que Lia e muitas outras pessoas trans estão sentindo, não estaríamos fazendo posts que basicamente diziam ‘eu ouço você, mas você não pode nadar conosco”, disse Jacob.
“É tão triste para mim ver pessoas aparentemente educadas usarem sua plataforma para postar comentários transfóbicos. O que diabos te dá o direito de decidir quem pode praticar esportes? Os atletas são tradicionalmente egocêntricos, mas usar o fanatismo para justificar a exclusão de um grupo inteiro de pessoas do esporte é simplesmente nojento”, escreveu Madeline em seu Instagram.
A testosterona
Entender a testosterona e como o hormônio atua e se sedimenta é fundamental para compreender algumas diferenças entre os sexos, inclusive evolutivas, visto que nem tudo é construção social. Expectativas sociais são construídas socialmente.
Carole Hooven, autora de testosterone, nos mostra como a testosterona aumenta nossa libido, nossa energia, nossa força e também o nosso desejo de correr riscos. Já que o rompante agressivo costuma nos colocar em situações, muitas vezes, conflituosas.
Ela pesquisou justamente a função do hormônio como base para aspectos do comportamento masculino. A especialista traçou o papel da testosterona no mundo natural, demarcando o seu papel na diferenciação de machos de fêmeas em todo o reino animal. Seus níveis muito mais altos nos machos – 10 a 20 vezes maiores que nas fêmeas – atuam como um interruptor que ativa os genes, criando indivíduos mais fortes e musculosos, genericamente com um comportamento mais agressivo e resistente. Ela disse que começou a pensar em fazer pesquisas após observar os chimpanzés em seu ambiente natural e seus procedimentos defronte à diferentes situações.
Existem atletas mulheres que naturalmente produzem mais testosterona e são mais fortes que a média regular, como é o caso de Caster Semenya, que tem um distúrbio endócrino. Porém, estudos globais costumam observar padrões genéricos do ser humano, por isso, generalizam. Estudos apontam que, no geral, fêmeas mais fortes conseguem se equiparar em força física somente aos machos mais fracos.
Um estudo de 2020, publicado na revista Sports Medicine, Mulheres Transgêneros na Categoria Feminina do Esporte: Perspectivas sobre Supressão de Testosterona e Vantagem de Desempenho –
O Comitê Olímpico Internacional (COI) determinou critérios pelos quais uma mulher transgênero pode ser elegível para competir na categoria feminina, exigindo que os níveis totais de testosterona sejam suprimidos abaixo de 10 nmol/L por pelo menos 12 meses antes e durante a competição. Aqui, revisamos como as diferenças nas características biológicas entre homens e mulheres biológicos afetam o desempenho esportivo e avaliamos se existem evidências para apoiar a suposição de que a supressão de testosterona em mulheres transgênero remove a vantagem de desempenho masculino e, portanto, oferece uma competição justa e segura. Relatamos que a diferença de desempenho entre homens e mulheres se torna significativa na puberdade e geralmente chega a 10-50%, dependendo do esporte. A diferença de desempenho é mais pronunciada em atividades esportivas que dependem de massa muscular e força explosiva, principalmente na parte superior do corpo. Estudos longitudinais que examinam os efeitos da supressão de testosterona na massa e força muscular em mulheres transgênero mostram consistentemente mudanças muito modestas, onde a perda de massa corporal magra, área muscular e força normalmente atinge aproximadamente 5% após 12 meses de tratamento. Assim, a vantagem muscular desfrutada por mulheres transgênero é apenas minimamente reduzida quando a testosterona é suprimida. As organizações esportivas devem considerar essa evidência ao reavaliar as políticas atuais sobre a participação de mulheres transgênero na categoria feminina do esporte, diz o compêndio do estudo.
Já um estudo de 2021, engendrado por Joanna Harper, que foi uma das estudiosas pioneiras na inserção de trans dentro do esporte, chega à conclusão que o tratamento hormonal diminui sim a força, mas as vantagens ainda podem ser observadas.
A hormonioterapia diminui a força, a massa muscular e a área muscular, mas os valores permanecem acima do observado quando comparados às mulheres cisgênero, mesmo após 36 meses. Esses achados sugerem que a força pode ser bem preservada em mulheres trans durante os primeiros 3 anos de terapia hormonal, diz a conclusão.
Não obstante, os valores de força, massa muscular e área muscular em mulheres trans continuam acima dos de mulheres cisgênero, mesmo após 36 meses de hormonioterapia – O estudo foi publicado pela Joana na revista Journal of Sports Medicine.
Foram pesquisados em abril de 2020 para artigos de 1999 a 2020.