Entrevista

Casal homoafetivo que realizará sonho da paternidade conta detalhes sobre processo de barriga solidária

Jarbas e Mikael Mielke de Bitencourt aguardam a chegada da primeira filha

Jarbas e Mikael
Jarbas e Mikael Mateus Bruxel / Agencia RBS

Jarbas, 47 anos, e Mikael Mielke de Bitencourt, 34, são casados há 15 anos. Protagonizando uma relação de muito amor e afeto, agora a família vai ganhar um novo membro. Jéssica Konig, amiga de ambos, carrega em seu ventre a primeira filha do casal.

Permitida no Brasil a partir de uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), essa prática é uma alternativa para mulheres com problemas de saúde que impeçam a gravidez, para pessoas solteiras ou para indivíduos em uniões homoafetivas

Em entrevista ao Gaucha ZH,  Jarbas conta que a vontade de ser pai surgiu há pelo menos cinco anos.

“Eu sou mais pé no chão e o Mika já é mais sonhador. Eu tenho sempre medo do lado financeiro, confesso, então a gente precisou se estruturar, dar um passo de cada vez. E, do nosso casamento para cá, a gente entendeu que estava na hora e começou com esse processo” — afirma o gestor regional de vendas.

Em entrevista ao Observatório G, Jarbas detalhou o processo, explicou as barreiras que ainda existem para que o procedimento se concretize com êxito e ainda abriu o jogo sobre preconceito.

1 -) O processo de barriga solidária, que é diferente de barriga de aluguel, é um procedimento muito burocrático ou foi fácil?

O processo de barriga de aluguel não é complexo, mas também não dá pra dizer que ele é fácil. É possível dizer que trata-se de um processo com vários procedimentos, diversas etapas, mas totalmente factíveis com a nossa realidade. Ele tem duas coisas importantes quanto à barriga. A lei permite que você possa utilizar um parentesco de até 4 º grau. Mas quando isso não acontece, aí é necessário entrar com um pedido junto ao Cremesp para que ele avalie e autorize ou não a fertilização. Isto quem faz normalmente é a clínica de reprodução humana contratada para fazer a FIV. No nosso caso foi a Nilo Frantz, e eles fazem todo o procedimento junto ao Cremesp. Eu não tinha um familiar de até 4º grau. Nossa barriga é a nossa comadre, eu e meu esposo fomos padrinhos dos filhos dela. E, para isso, nós precisamos entrar com processo administrativo, mostramos uma série de exames e entrevistas com psicólogo. É um pouco chato, mas não tão burocrático. É acessível o processo, mas precisa cumprir algumas etapas. Em resumo, se não há parentesco de até 4 grau é necessário autorização do Cremesp, que pode demorar em torno de 3, 4 meses, a depender da demanda que eles têm lá.

2 – O assunto ainda é pouco difundido no Brasil. Qual o maior desafio para que este tratamento da medicina reprodutiva possa viabilizar o sonho de mais casais?

O maior desafio seria as clínicas de reprodução humana terem o acesso a autorização para divulgação mais efetiva do processo. Segundo informações passadas na clínica, o Conselho Federal de Medicina não autoriza que as clínicas de reprodução possam fazer a divulgação em suas mídias. Por exemplo, eu fiz uma matéria para o jornal Zero Hora, a clínica não pode repostar, sobretudo por ter o meu rosto, do meu marido, da barriga. Então isso não ajuda o processo, fica tudo informal. Não pode ter campanhas, TV. Esse procedimento não é só para casais homoafetivos, mas qualquer família que não pode ter filhos. Então, este projeto na clínica tinha que ser mais propagado e, por conta dos órgãos médicos, eles não podem divulgar. Atrelado a isso, a falta de conhecimento das pessoas, até pelo procedimento não ser divulgado. Por exemplo, a questão financeira. Todo mundo acha que a FIV é um processo inacessível financeiramente, mas depende, é muito particular de cada família. Se você vai precisar comprar óvulos, tudo vai variar de casal e de clínica pra clínica. No nosso caso, foi bastante viável, pois a gente já tinha a barriga solidária, que não é paga no Brasil, é preciso ter alguém para se disponibilizar para o ato. No caso dos óvulos também, é preciso uma doadora. No nosso caso, fomos agraciados pela minha cunhada, irmã do meu esposo, de 21 anos e quis doar. Então nosso filho terá o nosso DNA. O meu, por meio do meu esperma, e do meu marido, por conta da irmã dele. Então se tu não tem todos os componentes para o processo se torna caro. Aí este é um ponto também para quebrar tabu, para que as pessoas vejam que é viável, existem linhas de créditos que as clínicas disponibilizam, mas não é divulgado. Então tudo isso eu considero um grande desafio.

Existe um tabu na sociedade que reprodução humana é um procedimento caro, então, se você encontra situações que contribuem com o procedimento o preço não fica exorbitante. Nós conseguimos os óvulos e já tínhamos o espermatozoide, então sai aí pela metade do preço de um casal que não tem isso. E tudo isso vai da busca pela informação e conhecimento.

3 -) Vocês, enquanto casal, enfrentaram muito preconceito para conseguir concretizar este desejo da paternidade?

Existe muito preconceito, vivemos em um país muito provinciano, nós, por sermos do Rio Grande do Sul, estamos em uma sociedade provinciana, o gaúcho tem uma cultura muito machista. Mas assim, o processo em si, os médicos, a clínica, não teve preconceito, ficaram todos emocionados, consternados com a nossa atitude de fazer o procedimento. Agora, nós abrimos para mídia no Natal, quando ela (barriga) completou 5 meses, a imprensa passou a nos procurar. Gravamos Zero Hora no RS, que é um jornal de grande circulação, GZH digital, GZH no Instagram, Clic RBS e algumas outras mídias voltadas ao público GLS. Dentro dessas mídias, nós fomos muito bombardeados nas redes sociais com comentários ofensivos, homofóbicos, a nós e a própria pessoa que está gerando o bebê. Eles não conseguem ter o entendimento que o bebê não é dela, pois não tem nada dela, ela apenas empresta o útero para gerar o bebê. A falta de informação das pessoas de como o processo funciona. Tem perguntas do tipo “Como explicar para esta mãe que ela não vai ficar com o bebê?” ‘Gente, primeiro, ela não vai ser mãe. Segundo, ela já sabe que não ficar com o bebê, pois juridicamente não é dela’. São coisas simples, mas que parece ser difícil de entender.

Tivemos muitos comentários negativos nas mídias, gente ruim falando coisas absurdas. A sociedade tem muita dificuldade com isso. Eu respeito a posição de cada um. Pra falar a verdade, quando decidimos fazer a nossa filha, decidimos porque queríamos realizar nosso sonho, não estamos preocupados com o pensamento da sociedade. Nem com o que falam. Estamos pensando em dar carinho para Antonella que está chegando, viabilizar uma boa vida pra ela. Muitos casais héteros abandonam seus filhos. Não cabe a nós julgar nem opinar, não emitimos nenhum comentário a essas pessoas e respeitamos. Só não vamos permitir ofensas á nossa moral, idoneidade, isso vamos buscar aparato juridicamente.

Concluindo, não enfrentamos preconceito no processo, foi fantástico. O preconceito passamos a ver depois que abrimos pra mídia. Uma parcela da sociedade, muito pequena, se posiciona de forma contrária. Mas cabe a cada um se posicionar como quer, vivemos em uma democracia e não trazemos essa energia pra nós.

Estamos voltados em nosso caminho de luz e espiritualidade. Para o amor e todo afeto que temos pra dar pra nossa menininha que está chegando. É nisso que estamos focados, fazer a nossa menina ser a mais feliz, tudo que a gente puder fazer por ela nós vamos fazer. O que importa é o amor. Mais uma vez mostramos ao país e sociedade que o amor venceu!