Religião

Como o espiritismo enxerga a orientação sexual de cada sujeito? E a relação da religião com LGBTs?

O espiritismo traz suas reflexões a respeito da vida, relações, aperfeiçoamento e lições

(Ilustrativa)
(Ilustrativa)

Quando pensamos em preceitos religiosos logo vêm à nossa mente um acoplado de frases como “Isso é pecado” ou “você vai para o inferno se continuar com essas práticas “antinaturais””. Quebrar valores tidos como intocáveis é difícil, mas sair da própria arrogância e abrir a mente para o novo são para os fortes!

Toda compreensão que temos do mundo é oriunda de uma pré-compreensão. O espiritismo, por exemplo, traz suas reflexões a respeito da vida, relações, aperfeiçoamento e lições que devem ser aprendidas. Em relação à orientação sexual, o espiritismo também fornece suas contribuições.

Chegando à sua segunda temporada, o Podcast Direito de Ser é um podcast espírita e LGBTI+ que procura criar um ambiente seguro e livre para que todos possam exercer sua espiritualidade sendo exatamente quem são. Com discussões pertinentes, convidados interessantes e muito bom humor, Ricardo Guelfi e Adriana Morales falam de questões de gênero e sexualidade à luz da filosofia espírita. A equipe do Podcast ainda conta com a produtora e apresentadora do quadro Cota B, Bruna Paz.

O Podcast produzido pela FEAL, Fundação Espírita André Luiz e Rádio Boa Nova pode ser ouvindo nas principais plataformas digitais para podcast e também em radioboanova.com.br/podcast.

Nesse sentido, o Observatório G conversou com Ricardo Guelfi e Adriana Morales para saber o que os comunicadores do Direito de Ser pensam acerca das questões espíritas LGBT+. Confira!

O espírito passa por uma fileira imensa de reencarnações e, desse modo, a homossexualidade, por exemplo, teria alguma relação com episódios de vidas passadas?

Somos criados de forma singular, logo cada um de nós constrói, na medida que reencarna, suas experiências de forma subjetiva, sendo assim, não é possível afirmar ou negar que a orientação LGBTQIA+ tenha relação com alguma de
nossas vidas passadas.

Vale ressaltar que a reencarnação, segundo a codificação da filosofia espírita, não possui caráter punitivo e compensatório, ou seja, a reencarnação é uma oportunidade para desenvolvimento intelectual e moral com renovadas
experiências e este processo abarca a todos os espíritos criados por Deus.

Comumente há uma associação equivocada de que a orientação sexual é proveniente de repetidas reencarnações em um corpo do mesmo sexo, por exemplo: se nasceu em um corpo de homem muitas vezes associa-se que ao
reencarnar em um corpo de mulher, esse espírito externaria tendências relativas às expressões do gênero masculino.

Na codificação espírita, mais precisamente na obra O Livro dos Espíritos – questões de número 200, 201, 202, item “Sexo dos espíritos” – conhecemos que o espírito não tem sexo, logo no processo de reencarnação podemos animar tanto o corpo de homem quanto o de mulher, alternando de acordo com a necessidade de desenvolvimento.

Mundo contemporâneo

Na contemporaneidade, as diferentes vertentes científicas adotaram a discussão de forma pragmática e dicotômica do viés religioso os temas: gênero; sexualidade; orientação sexual; expressão de gênero; entre outros temas que abarcam o universo LGBTQIA +. Esse processo é contrário ao que ocorreu durante milênios, onde a compreensão e teorias partem apenas do binarismo e sobretudo das visões religiosas que competem a cada época.

Os avanços científicos e filosóficos legitimaram a multiplicidade de orientações sexuais, corroborando para que também as possibilidades de desenvolvimento dos espíritos se dessem a partir de reencarnações que viabilizem a amplitude de novas experiências terrenas, sendo assim, reencarnar na condição LGBTQIA+ é mais uma oportunidade de desenvolvimento espiritual, intelectual e moral do que a visão simplista e equivocada de vícios reencarnatórios ou
punições.

A doutrina espírita baseia-se no tríplice aspecto: ciência; filosofia; moral; orientando a acompanhar o avanço científico, sobretudo de acordo com seu atual contexto sócio histórico e jamais em sua codificação tendo rechaçado
as minorias, como por exemplo a comunidade LGBTQIA+. Lamentavelmente, ainda hoje, ocorrem distorções religiosas e conservadoras da codificação espírita, cremos que motivadas pela opinião do sujeito que se nomeia cristão e que ainda não compreendeu o espiritismo em sua essência de amor e acolhimento, como nos ensinou o mestre Nazareno Jesus.

Como o espiritismo enxerga a liberdade sexual? E o prazer? O aperfeiçoamento moral que é buscado na doutrina teria relação com abdicar de prazeres e desejos?

Os remanescentes sociohistóricos de que o sexo serve apenas para a reprodução e a manutenção da espécie, ainda hoje encontram vastos campos nos arquétipos coletivos da sociedade. No entanto, no cenário da realidade observamos que o engessamento destes conceitos além de não vigorar, causam desconforto, sofrimento e autorizam o questionamento da função do prazer no sexo de forma invasiva.

A demonização dicotômica na interpretação da função sexual, restrita a reprodução, marginaliza a liberdade sexual e a busca subjetiva dos prazeres. Portanto, a ideia de que a função sexual é apenas reprodutiva evidencia que qualquer exercício das funções sexuais, sendo ele afetivo ou para a saciação de prazeres e desejos, ocupa uma posição
desqualificada e demonizada, principalmente quando recebe um julgamento com viés religioso e dogmático
.

Além disso, quando seu exercício está presente no âmbito homoafetivo, e por sua vez estéril, torna-se errado e muitas vezes tido como pecado (a famosa sodomia) por representar uma falsa ameaça a instituição família. É por isso que percebemos que na maioria das vezes o sexo homoafeivo é tido como perversão sexual e promiscuidade.

As expressões sexuais podem buscar prazer, realização, reprodução, mantendo a afetividade dentro da união e preservando a ética, uma vez que o espiritismo acompanha os avanços científicos e concluímos que a
reprodução humana se torna cada vez mais possível para a comunidade LGBTQIA+.

Os espíritos se atraem por afinidades expressas em energias emanadas através de pensamentos, palavras e ações. Considerando o livre arbítrio, essas aproximações podem ser benéficas ou não, logo o amadurecimento de uma consciência moral e intelectual de forma ética, traduz o resultado dos nossos encontros e também as consequências
singulares e coletivas as quais seremos submetidos como produto de nossas ações.

A energia sexual é uma potência criadora podendo ser investida, direcionada para quaisquer âmbitos que envolvam a criatividade e o movimento se assim o indivíduo desejar, nos auxiliando no amadurecimento intelectual, mas também no aperfeiçoamento moral quando nos colocamos como responsáveis diretos pelas questões que inferem a nós e ao próximo.

Abster-se da liberdade subjetiva na vivência de prazeres no âmbito sexual não aproxima os espíritos da santidade, ou seja, o aperfeiçoamento moral manifesta-se de forma multifacetada. Nosso desenvolvimento é construído do micro para o macro nos vários aspectos da vida, faces relevantes como: família; intelectualidade; inter-relações; vida laboral; autodesenvolvimento; entre outros; não sobrepondo nem hierarquizando em relação às questões sexuais.

Propor que o aperfeiçoamento moral esteja ligado às expressões da sexualidade, sugere castração e o cerceamento do livre arbítrio, dissonante no processo de desenvolvimento singular ao qual cada espírito passará, distanciando-se da proposta de amor e respeito que o criador tem por sua criação segundo a doutrina espírita.

De que forma as teses do sexo são tratadas do Plano espiritual para o Plano Terrestre?

A proposta da realidade terrena, ou seja, da reencarnação presente, advém da generosidade de espíritos mais desenvolvidos que nos auxiliam. Esta experiência sugere que a partir de uma organização coletiva elaboremos nosso
desenvolvimento na justa medida das necessidades e experiências que se renovam a cada reencarnação, não gerando obrigatoriedades nem cartilhas normativas de condutas que devemos tomar, salvo o amor e o respeito ao
semelhante que nos convida e propõe Jesus.

Na construção do nosso desenvolvimento moral e espiritual, a autonomia é ferramenta ativa e fundamental na vivência de nossas reencarnações, propiciando a liberdade para atuarmos efetivamente na renovação singular
impactando na transformação do coletivo.

O estudo da filosofia espírita, impresso nas obras básicas codificadas por de Allan Kardec, pressupõe norteadores que se ressignificam, contudo não podem ser interpretados nem utilizados de forma dogmática ou liberal. A aplicação racional e autônoma das obras básicas nos proporciona aprendizados e amplitude de consciência frente aos direcionamentos que elas nos trazem.
Na obra O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo VI – O Cristo consolador, encontramos a seguinte frase que conclui os nossos pensamentos expressos anteriormente e finaliza a nossa passagem nessas questões
:

Espíritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo“.



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