Depoimento

Jovem denuncia homofobia em escola e pede justiça: "Outro pode não aguentar"

Hoje, ele ainda carrega as perfurantes marcas da violência

Ally Alexandrino
Ally Alexandrino (Reprodução)

No início do ano, Riley Hadley, de 12 anos, tirou a própria vida após o bullying ininterrupto e sucessivo de colegas de classe. O assunto repercutiu velozmente e causou revolta, visto que é preciso incentivar medidas antibullying nas escolas, justamente para que todos os alunos se sintam acolhidos.

Ally Alexandrino, de 18 anos, conta, em entrevista ao Observatório G, que passou por situações vexatórias e violentas na escola em que estudou. Hoje, ele ainda carrega as perfurantes marcas da violência, mas tenta se reerguer com o apoio de ajuda psicológica e com o amor de sua família.

Bom, eu estudei nessa escola durante o 6°, 7° e metade do 8° ano. Nesse último ano, como eu já era assumido para minha família, fui pela primeira vez na parada da diversidade que ocorria na cidade (Votuporanga – São Paulo). Postei uma foto deste evento nas redes sociais e o problema que já existia, mas antes era tratado com “Mas você é? Caso contrário, não tem o porquê ligar” ficou pior. Comecei sofrer bullying por parte dos alunos e ser excluído por grande parte da escola, inclusive funcionários. Posteriormente, sofri agressões físicas enquanto usava o banheiro, começou.

Algumas semanas depois mudamos de casa e eu pude mudar de escola também, o que me deu um alívio muito grande. Assim fizemos e terminei meu 8° e 9° nessa escola que é da rede municipal CEM Prof Orozimbo Furtado Filho, onde tive apoio integral dos professores e da diretora Clara Nates.

No 9° ano, concorri ao prêmio de melhor aluno da cidade representando a escola. Sempre tive um bom desenvolvimento acadêmico, ajudava os colegas de sala com dificuldades e recebia elogios por ter aumentado o desempenho da turma após minha chegada, participava de muitas matérias extracurriculares e fui um aluno muito bom.

Porém, quando passei para a 1° série do ensino médio, tive que voltar pra escola que estava antes, uma escola da rede estadual, onde o problema recomeçou. Desde o início das aulas, eu estava sofrendo homofobia por parte dos alunos (muitas delas em frente dos professores) e sempre que reclamava, nada acontecia. Até que um dia a grande maioria da sala começou fazer piadinhas homofóbicas e eu não consegui aguentar; saí da sala tendo crise de ansiedade e chorando muito, não tive respaldo por parte da diretoria e procurei os direitos humanos da cidade pra tentar resolver essa situação, mas a diretora era conveniente. Em frente a pessoas desse órgão ela se mostrava disposta a ajudar e ativa, porém o máximo que fez a respeito de todas as reclamações foi conversar com os alunos. Punem mais um aluno por estar sem uniforme do que por ser homofóbico.

Apatia da escola perante um tema sério

Era a voz de um aluno contra a de uma diretora, qual teria mais peso? Não tinha como a gente mudar de casa novamente para eu poder ser transferido para uma escola diferente, cheguei a pensar em parar de estudar, pois não aguentava mais fingir que tudo isso não doía. Continuei tentando prosseguir meus estudos e, certo dia na aula, tivemos que entregar redações; tirei nota 6 e não entendi o motivo, pois sempre fui excelente em redações. Por essa desconfiança que já persistia e levei algum tempo em acreditar que estava sendo prejudicado por alguns professores, combinei com um amigo que ainda não tinha entregado a redação de ele fazer uma cópia da minha redação e entregar com o nome dele e assim fizemos. A nota dele foi 9 e esse fato também foi relatado à diretoria da escola que me respondeu da seguinte forma:

 “Essa professora é assim mesmo”; durante outra aula corrigi uma professora pelo uso errôneo da palavra homossexualismo e fui completamente humilhado, durante uma das inúmeras reclamações que fiz à diretoria da escola eu ouvi a seguinte frase: “Se você reclama tanto daqui, porque não muda de escola?”. Com o psicológico abalado, acabei piorando meu quadro de depressão e tendo que tomar alguns remédios para não ter crises diárias (sertralina, fluoxetina e clonazepan) e também comecei a faltar as aulas, você não tem motivação pra ir a um lugar onde te tratam como um lixo pelo simples fato de ser quem você é. Até que consegui vaga em outra escola, muito mais longe da minha casa, mas mudei porque não dava para continuar ali, senti que nem era mais um ser humano, perdi totalmente meu senso de valor e minha autoestima, cheguei a pensar em suicídio.

Hoje estou concluindo o ensino médio em outro lugar e fazendo acompanhamento com o psicólogo da escola, o que passei acabou me desenvolvendo alguns traumas e um medo das pessoas e agora estou tentando tratar isso e talvez ser alguém brilhante de novo. O ódio deixa marcas demais nas pessoas, espero que as pessoas não vejam isso e sintam pena, não quero isso de forma alguma. Quero que talvez usem o que eu passei e o que diversas pessoas LGBTQIA+ passam nas escolas pra talvez mudar isso, não dá pra continuar fingindo que o problema não existe. Hoje eu tô aqui, mas o próximo Ally pode não aguentar tanto.

Hoje

Sinceramente eu espero que os pais apoiem seus filhos e peçam justiça. Casos assim, devem ser denunciados para que essas situações não se repitam, e denunciar esse tipo de situação sendo adolescente na escola deveria ser menos burocrático, nem todo adolescente LGBT tem pais que o apoiam, porque nenhum ser humano merece ter seu senso de valor e sua autoestima destruídos, enquanto tudo que simplesmente se quer é estudar.

Espero que tenham punições mais severas para alunos que tenham esse tipo de comportamento e não apenas um sermão, pois as consequências que isso gera em alguém são traumas e inseguranças que talvez com bastante tempo de terapia consigamos superar e espero que nenhuma outra pessoa tenha que passar por isso.

Não acho que seja necessário falar o nome da escola que me fez passar por tudo isso, não é foco, tem muitas escolas assim pelo Brasil todo; Não quero que isso se transforme em algo de ataque, mas sim de conscientização. Escolas deveriam ser um lugar seguro, mas se você pertencer a alguma minoria, pode ser um dos ambientes mais cruéis e não deveria. Educação é um direito. E, pra todos os adolescentes que podem estar passando por isso, saibam que não estão sozinhos, não deixem negarem sua identidade, sua liberdade, sua educação e seu direito de ser quem você é!, finalizou.

Homofobia pode levar ao suicídio, independentemente de orientação sexual

O preconceito contra pessoas LGBTs é algo estrutural em nossa sociedade. A família representa, na maioria das vezes, o primeiro núcleo de socialização do sujeito e é nela que o mesmo buscará o acalento e a sensação de pertencimento e, quando não encontra, o sujeito tende a desviar essa busca para alguém mais próximo – professor, avó, dentre outros. Nesse sentido, a homofobia enraizada, que se manifesta em forma de agressão física ou psicológica, pode acometer quem é LGBT ou não, desde que a motivação do agressor seja a aversão à pessoas que não sejam heterossexuais. Já aconteceu de mãe e filha estarem de mãos dadas e sofrerem homofobia, pois o agressor pensou se tratar de um casal lésbico.

Quando a Homofobia, que essencialmente é o ódio às pessoas pertencentes à comunidade LGBT, se transforma em ato, ou seja, quando um homofóbico age com palavras, ou fisicamente, contra um sujeito que não se considera heterossexual, simplesmente por não aceitá-lo assim, isso se torna um crime e está previsto no artigo 20 da Lei 7.716/2018 (crime de racismo).

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