'Cancelamento'

Luisa Sonza e Juliana Paes: O que há por trás da cultura do 'cancelamento'?

André Dória, psicólogo e psicanalista da Holiste Psiquiatria, explica que o aumento do discurso de ódio nas redes está ligado a uma forma de satisfação perversa

Luísa Sonza
Luísa Sonza (Reprodução/Instagram)

O termo ‘cancelar’, que até denota um certo primarismo infantil, é mais uma novidade que ganhou robustez na web. Artistas e influenciadores que não se encaixam em alguma agenda vigente, ou nas expectativas e projeções dos ‘inquisidores das mídias’, são imediatamente ‘cancelados’. Isto é, de certa forma, o ‘cancelamento’ tem proeminente relação com as frustrações internas de quem ‘cancela’ e não propriamente com o ‘cancelado’.

André Dória, psicólogo e psicanalista da Holiste Psiquiatria, explica que o aumento do discurso de ódio nas redes está ligado a uma forma de satisfação perversa que transforma admiração em ódio.

No Brasil, a cantora Luiza Sonza, por exemplo, foi a última vítima dos conhecidos “haters” de internet. Para se proteger, a cantora viajou com o namorado, Vitão, para o México.

A atriz Juliana Paes, que defende um espectro mais liberal, de respeito às liberdades individuais e menos Estado, causou polêmica após ter a sua posição encarada como neutralidade, mesmo ela deixando claro que é favorável à vacina. Juliana apenas não está consonante com o binarismo atual de Lula X Bolsonaro, o que foi suficiente para receber comentários odiosos de internautas.

“A psicanálise já nos ensinou que, muitas vezes, precisamos eleger um mestre imaginário para justamente poder destruir a relação com ele. Há uma forma de satisfação perversa nesse movimento: quando aquele, ou aquela, que elejo como referência não satisfaz às minhas projeções, eu elimino. Cancelo. Como as redes sociais são uma profusão de ídolos para todos os ideais, trazem também a profusão do efeito reverso: o ódio pelo ideal frustrado”, explica André.

Ao decidir seguir uma celebridade que defende uma determinada causa, por exemplo, a relação de quem a segue é uma relação de representação: aquela celebridade me representa. Uma ação, uma palavra, um gesto, fora do que os seguidores esperam, e que foge ao traço que os identificam com celebridade, transforma o sentimento de admiração em ódio. É aí que reside a fragilidade dessas identificações: elas só se sustentam quando o outro reflete o que eu penso, o meu ponto de vista”, detalha.

Redes

As redes sociais são a tradução dessa aceleração, pulverizando as três etapas que guiavam nossa tomada de decisões: o tempo de ver, compreender e concluir. Hoje, já saltamos diretamente para a conclusão. O exemplo das fake news ilustra isso. Ao receber uma informação em sua rede social, ou num aplicativo de mensagens, muitas pessoas de imediato já passam adiante, sem verificar nem refletir criticamente sobre a informação recebida. Nesse sentido, a intoxicação é generalizada, não afeta somente artistas, cantores ou atletas”, aponta.

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