Por meio de seu Instagram, Flávio Bolsonaro divulgou um vídeo de uma transexual que se categoriza como conservadora e pró-Bolsonaro, mesmo que a pauta do conservadorismo não reconheça gênero, apenas o sexo. A influenciadora, em defesa do mandatário, disse que o presidente não é violento, apenas contra a “ideologia de gênero”, isto é, para o presidente ela nem existe, já que uma pessoa trans é designada justamente pelo seu gênero, por não se reconhecer no sexo tipificado no nascimento.
Evidentemente que Bolsonaro não sairia por aí matando LGBTs, até porque isto é inconstitucional. A violência costuma ser corroborada no discurso e na própria gestão. Na legenda do vídeo, “Crimes contra pessoas LGBT diminuíram no governo do “homofóbico”“, disse Flávio, em alusão à suposta ideia de que o governo em si foi mais amistoso com a diversidade.
De acordo com o Relatório Parcial divulgado pelo Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil, gays e mulheres trans e travestis estão entre as principais vítimas da LGBTIfobia no nosso país, com 102 e 86 casos respectivamente. Além disso, o Relatório Parcial reforça que 2020 foi um ano atípico por conta da pandemia, sendo um dos motivos para a redução no número de mortes violentas de LGBT, diz Alexandre Bogas Gastaldi, Diretor Executivo da Acontece Arte e Política LGBTI+. Isto é, a redução de 2020 não estaria propriamente relacionada ao governo, mas ao cenário pandêmico. Segundo levantamento, Brasil registra 207 mortes de LGBT+ entre janeiro e agosto de 2021.
O levantamento aponta que Lésbicas aparecem com 8 mortes violentas registradas; homens trans, com 2 casos; e bissexuais, com 1 caso registrado.
O Relatório aponta ainda que 3 heterossexuais foram assassinados por terem sido confundidos com LGBTI+ e mais 5 mortes em que a motivação do crime foi a LGBTIfobia.
Em junho deste ano, o Jornal The Guardian destacou o estupro coletivo de um jovem gay e citou a violência LGBT no Brasil. Por meio de uma reportagem do veículo, um dos mais populares do Reino Unido, o caso é tido como “barbárico”. O jornal explanou o ocorrido e destacou que LGBTs no Brasil vivem um momento conturbado. “O Brasil tem um dos índices mais alarmantes de violência e discriminação contra pessoas LGBT do mundo. Cristian González Cabrera, pesquisador da Human Rights Watch, disse que embora a suprema corte proibisse a violência e a discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero em 2019, “o governo precisa tomar medidas urgentes para evitar esta epidemia de violência contra pessoas LGBT”, disse a matéria, que também destacou o mapeamento de violência organizado pelo GGB – Grupo Gay da Bahia.
É oportuno frisar que, quando se pontua que a violência é alarmante, não é em comparação a países nos quais ser LGBT é um crime, mas sim para trazer à tona que, muitas vezes, mesmo avançando em questões legais, a eficácia dessas leis na prática ainda representa um desafio.
“Vivemos hoje um verdadeiro apagão de políticas públicas focadas na população LGBTI+. Se antes elas já eram escassas, hoje, todo o aparato estatal de amparo à esta população tem sido desmontado pelo Governo Federal. Somado aos discursos LGBTIfóbicos proferidos pelas maiores autoridades do país, o que se tem é a receita de uma tragédia silenciosa vivida pela nossa população. Por isso, iniciativas como a do Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ são tão importantes para denunciar e visibilizar esses casos”, diz Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia.
Relatório
Em 2021, o Relatório, que passa por uma metodologia até os dados serem divulgados e catalogados como oficiais, conta com o apoio financeiro do Fundo Brasil de Direitos Humanos e pode ser conferido na íntegra no site: https://observatoriomortesviolentaslgbtibrasil.org/parcial-setembro-2021
Virtual
A SaferNet Brasil contabilizou – Entre janeiro e a primeira metade de junho de 2021 – um aumento de denúncias de homofobia. A central de denúncia recebeu 2.529 denúncias de homofobia na internet desde o início de 2021, ao passo que, em 2020, foram registradas 1.226 denúncias. Ainda sobre pesquisas, um estudo da OutNow, divulgado em abril deste ano, mostra que, no Brasil, apenas uma em cada três pessoas LGBTs fala abertamente sobre identidade de gênero ou orientação sexual no trabalho.
Anos anteriores
Em 2020, 237 LGBT+ (1ésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) tiveram morte violenta no Brasil, vítimas da homotransfobia: 224 homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%). É o que mostra o Relatório: Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil. O ano recorde foi 2017, com 445 mortes, seguido em 2018 com 420, baixando para 329 mortes em 2019.
Direitos
Em 2019, Bolsonaro assinou um decreto que coloca fim aos conselhos sociais que integravam a Política Nacional de Participação Social (PNPS). Dentre eles, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação, um conselho federal brasileiro sobre assuntos LGBT criado em 9 de dezembro de 2010.
Ainda em 2019, ao se manifestar contra a criminalização da homofobia e alegar que o STF é inapto à legislar, o presidente disse que a medida prejudicaria gays, já que empresários não os contratariam, receosos por alguma represália.
Em 2020, a Advocacia-Geral da União entrou com um recurso no STF para esclarecer pormenores da criminalização da LGBTfobia regulamentada em 2019 pela corte. Hoje a LGBTfobia é enquadrada como crime de racismo. Para a AGU, “é importante que se esclareça, como tese de julgamento, que não só a liberdade religiosa, mas a própria liberdade de expressão, considerada genericamente (englobando a manifestação artística, científica ou profissional), respalda a possibilidade de manifestação não aviltante a propósito da moralidade sexual”.
Além disso, há alguns meses, foi divulgado que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, presidido pela Ministra Damares, não gastou nenhum centavo dos R$ 4,5 milhões orçados para a Diretoria de Políticas de Promoção e Defesa dos Direitos LGBT em 2020.