Impunidade

“Sai daqui, viado”: Casal sofre homofobia durante exibição do filme Homem com H, no Recife

29/05/2025 16:50
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(foto: Imagem gerada pelo ChatGPT)

Casal sofre homofobia durante sessão do filme 'Homem com H'

O que era para ser uma noite comum de lazer transformou-se em uma experiência traumática para Felipe Cordeiro, 34 anos, doutor em Letras e pesquisador em artes pela USP, e seu companheiro, Márcio Bastos, 33. Na noite de 6 de maio, o casal foi alvo de ofensas homofóbicas durante a exibição do filme “Homem com H”, que retrata a trajetória artística de Ney Matogrosso, ícone da música e da liberdade de expressão no Brasil.

O episódio aconteceu na sala de cinema do Kinoplex, no Shopping Boa Vista, no Centro do Recife. Durante a sessão, ao pedirem silêncio a duas mulheres que conversavam alto, Felipe e Márcio ouviram em resposta:

“Se você achou ruim, sai daqui, viado, senta ali na frente!”

Um trauma que não termina com o filme

A violência verbal não parou por aí. O casal buscou ajuda no local, mas, segundo Felipe, encontrou um cenário de descaso e negligência

. “Acionamos um segurança do shopping, que nos orientou a procurar a gerência do cinema. A gerente entendeu que se tratava de homofobia, mas disse que não poderia fazer nada”, contou o pesquisador em entrevista ao Observatório G.

Sem apoio institucional, Felipe e Márcio chamaram a Polícia Militar. Entre 20h25 e 22h11, realizaram nove ligações para o número de emergência, 190. Nenhuma patrulha compareceu.

“Por negligência da Polícia Militar de Pernambuco, do Shopping Boa Vista e do Kinoplex, não foi possível identificá-la. Eu tenho fotos e vídeos da agressora, mas fui orientado por meu advogado a não divulgar, pois ela ainda poderia me processar. E, com o descaso da justiça em casos como o meu, é bem provável que isso realmente acontecesse”, desabafou Felipe.


Impunidade e silêncio institucional

Quase um mês após o ocorrido, nenhuma providência foi tomada. O casal não recebeu qualquer retorno do cinema ou do shopping.

“Ignoraram solenemente o acontecido. Acho que pra eles é mais fácil fingir que nada aconteceu. Estão preocupados apenas com o lucro, não com a nossa segurança e dignidade”, lamenta o pesquisador.

Felipe também revelou que não teve forças para voltar ao cinema para assistir ao filme.

“Não fui, não tenho interesse em retornar àquela sala. Infelizmente, também perdi o interesse em assistir ao filme. Ficou marcado como uma lembrança ruim e traumática pra mim.”

O que diz a lei? Quem pode ser responsabilizado?

Para entender quais medidas legais podem ser tomadas em casos como esse, o Observatório G ouviu o advogado Ives Bittencourt, presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/BA. Segundo ele, o crime de homofobia pode ser judicializado, desde que existam provas consistentes.

“A busca por justiça para a população LGBTQIAPN+ é uma batalha ainda mais árdua, pois suas dores são frequentemente relativizadas ou invisibilizadas. O fato de a vítima ter procurado diversos funcionários do cinema e do shopping, sem que nenhuma medida efetiva fosse tomada, evidencia essa realidade.” afirmou Ives Bittencourt, com preocupação.

O especialista também orienta que a vítima registre reclamações no Procon e junto à própria empresa responsável, buscando identificar eventuais registros de câmeras ou relatos de outros clientes. Além disso, destaca que é direito da vítima pedir, judicialmente, o acesso às imagens de segurança que possam ajudar a identificar a agressora.

“Em casos de violência ocorrida dentro de um cinema, há também a responsabilidade do estabelecimento, que pode ser punido por falha no dever de segurança. A falha no dever de segurança, dentro do âmbito do Código de Defesa do Consumidor (CDC), refere-se à negligência ou omissão do fornecedor em assegurar a segurança do consumidor durante a prestação de serviços ou a disponibilização de produtos. Essa falha pode resultar em danos, seja de natureza material ou moral, e gera responsabilidade objetiva do fornecedor, independentemente de culpa, conforme os artigos 12 e 14 do CDC.” explicou o advogado.

Um grito silenciado

O caso de Felipe e Márcio escancara o abismo entre o que diz a lei e o que acontece na prática. A ausência do Estado, a omissão das empresas e a insegurança jurídica deixam marcas que vão além do momento da agressão — tornam-se cicatrizes difíceis de curar.

“Não é só sobre o que nos disseram naquela noite. É sobre tudo o que não fizeram depois.” concluiu Felipe.

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