Impunidade

“Sai daqui, viado”: Casal sofre homofobia durante exibição do filme Homem com H, no Recife

Casal sofre homofobia durante sessão do filme 'Homem com H'
Casal sofre homofobia durante sessão do filme 'Homem com H' | Imagem gerada pelo ChatGPT

O que era para ser uma noite comum de lazer transformou-se em uma experiência traumática para Felipe Cordeiro, 34 anos, doutor em Letras e pesquisador em artes pela USP, e seu companheiro, Márcio Bastos, 33. Na noite de 6 de maio, o casal foi alvo de ofensas homofóbicas durante a exibição do filme “Homem com H”, que retrata a trajetória artística de Ney Matogrosso, ícone da música e da liberdade de expressão no Brasil.

O episódio aconteceu na sala de cinema do Kinoplex, no Shopping Boa Vista, no Centro do Recife. Durante a sessão, ao pedirem silêncio a duas mulheres que conversavam alto, Felipe e Márcio ouviram em resposta:

“Se você achou ruim, sai daqui, viado, senta ali na frente!”

Um trauma que não termina com o filme

A violência verbal não parou por aí. O casal buscou ajuda no local, mas, segundo Felipe, encontrou um cenário de descaso e negligência

. “Acionamos um segurança do shopping, que nos orientou a procurar a gerência do cinema. A gerente entendeu que se tratava de homofobia, mas disse que não poderia fazer nada”, contou o pesquisador em entrevista ao Observatório G.

Sem apoio institucional, Felipe e Márcio chamaram a Polícia Militar. Entre 20h25 e 22h11, realizaram nove ligações para o número de emergência, 190. Nenhuma patrulha compareceu.

“Por negligência da Polícia Militar de Pernambuco, do Shopping Boa Vista e do Kinoplex, não foi possível identificá-la. Eu tenho fotos e vídeos da agressora, mas fui orientado por meu advogado a não divulgar, pois ela ainda poderia me processar. E, com o descaso da justiça em casos como o meu, é bem provável que isso realmente acontecesse”, desabafou Felipe.


Impunidade e silêncio institucional

Quase um mês após o ocorrido, nenhuma providência foi tomada. O casal não recebeu qualquer retorno do cinema ou do shopping.

“Ignoraram solenemente o acontecido. Acho que pra eles é mais fácil fingir que nada aconteceu. Estão preocupados apenas com o lucro, não com a nossa segurança e dignidade”, lamenta o pesquisador.

Felipe também revelou que não teve forças para voltar ao cinema para assistir ao filme.

“Não fui, não tenho interesse em retornar àquela sala. Infelizmente, também perdi o interesse em assistir ao filme. Ficou marcado como uma lembrança ruim e traumática pra mim.”

O que diz a lei? Quem pode ser responsabilizado?

Para entender quais medidas legais podem ser tomadas em casos como esse, o Observatório G ouviu o advogado Ives Bittencourt, presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/BA. Segundo ele, o crime de homofobia pode ser judicializado, desde que existam provas consistentes.

“A busca por justiça para a população LGBTQIAPN+ é uma batalha ainda mais árdua, pois suas dores são frequentemente relativizadas ou invisibilizadas. O fato de a vítima ter procurado diversos funcionários do cinema e do shopping, sem que nenhuma medida efetiva fosse tomada, evidencia essa realidade.” afirmou Ives Bittencourt, com preocupação.

O especialista também orienta que a vítima registre reclamações no Procon e junto à própria empresa responsável, buscando identificar eventuais registros de câmeras ou relatos de outros clientes. Além disso, destaca que é direito da vítima pedir, judicialmente, o acesso às imagens de segurança que possam ajudar a identificar a agressora.

“Em casos de violência ocorrida dentro de um cinema, há também a responsabilidade do estabelecimento, que pode ser punido por falha no dever de segurança. A falha no dever de segurança, dentro do âmbito do Código de Defesa do Consumidor (CDC), refere-se à negligência ou omissão do fornecedor em assegurar a segurança do consumidor durante a prestação de serviços ou a disponibilização de produtos. Essa falha pode resultar em danos, seja de natureza material ou moral, e gera responsabilidade objetiva do fornecedor, independentemente de culpa, conforme os artigos 12 e 14 do CDC.” explicou o advogado.

Um grito silenciado

O caso de Felipe e Márcio escancara o abismo entre o que diz a lei e o que acontece na prática. A ausência do Estado, a omissão das empresas e a insegurança jurídica deixam marcas que vão além do momento da agressão — tornam-se cicatrizes difíceis de curar.

“Não é só sobre o que nos disseram naquela noite. É sobre tudo o que não fizeram depois.” concluiu Felipe.

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