“Sócrates” de Alexandre Moratto estreia para o grande público nos cinemas no dia (26) deste mês. Emocionante e grandioso graças aos mínimos detalhes, a obra entregará um trabalho coeso aos fãs do cinema. Pode parecer confuso, mas o que faz desta película uma grande estória é de fato as minuciosidades por trás das câmeras.
“Sócrates” fora rodado com apenas 20 mil dólares – produção que custaria no mínimo 2 milhões de reais – graças à vitória de Moratto em um edital do Projac de finalização, e a equipe técnica do Instituto Querô, projeto social do litoral de São Paulo que capacita jovens de baixa renda para o mercado audiovisual. Foram estes jovens aprendizes que trabalharam até mesmo como figurantes e fizeram com que “Sócrates” saísse do papel. Se este já não motivo o suficiente para despertar-lhe a atenção, este colunista transcreve abaixo uma crítica sobre o filme à comunidade LGBT.
Ameaçado de ser despejado de casa e enviado a um orfanato após perder a mãe, o jovem de 16 anos, Sócrates, vive como um andarilho pelas ruas de Santos atrás de trabalho. Sem sucesso e inúmeras portas na cara, a fome o leva a cogitar a prostituição ou até mesmo tentar uma nova convivência com o pai.
Sócrates faz um bico num ferro velho, onde conhece Maicon (Tales Ordakji), por quem se apaixona e é aí que mais um grande conflito nos é apresentado, como se a falta de um teto na adolescência já não fosse o bastante, Sócrates vive também uma guerra existencial: o mesmo não é aceito pelo pai por ser gay. Fato o qual o fez viver com a mãe até o dia do falecimento da mesma.
“Sócrates” é um filme difícil de ser digerido (propositalmente) e tem o intuito de tocar a alma de quem o assiste. A fome e o abandono de jovens no Brasil assola milhões e não seria justo que o diretor Alexandre Moratto não nos trouxesse a verdade nua e crua e a explicitasse na grande tela.
A obra apresenta a história de um jovem que luta pela sobrevivência e ao mesmo tempo sofre no auge de sua juventude sem conseguir gozar do mais puro e simples direito de qualquer cidadão: existir.
Vivendo (ou sobrevivendo na verdade), entre o caos de uma periferia e o inferno psicológico de ser um homossexual num país preconceituoso e dominado por falácias cristãs, o enredo se desenrola com maestria.
A cena em que o ator Cristian Malheiros fora obrigado a comer restos no lixo nos arranca lágrimas. A atuação deste menino é linda por sinal. O poder de convencimento e o dom da atuação de Cristian conseguem tornar o filme gracioso mesmo inserido num enredo caótico. Apesar das falas curtas, percebe-se a grandiosidade do ator e o quanto o mesmo teve de se “controlar” fora para não tornar as filmagens em algo ainda maior com tão pouco orçamento.
Além deste, o jovem Tales Ordakji (Maicon no filme) nos apresenta outra perspectiva de vida para um LGBT. Ser de um lado temos Socrates, gay, órfão de mãe e abondado pelo pai, Maicon vive com a mãe, é pai mas mesmo assim sente-se extremamente aprisionado por não conseguir viver de fato o que é. (Eu senti falta deste personagem durante as cenas que se seguiram, gostaria de ter visto um final para o mesmo também). O romance entre os dois não sobrevive ao preconceito ao redor e ao inferno psicológico de ambos (eu torci bastante, mas não adiantou).
A obra nos cutuca frame pós frame e faz com que saíamos de lá mexidos com a realidade que nos acompanha diariamente. O final do filme não é feliz, assim como a vida dos milhares de Sócrates também não é, mas a sétima arte conseguiu mais uma vez desenvolver o seu papel social aqui. Parabéns ao diretor que humildemente contou uma passagem de sua vida e teve a nobreza de colocar um jovem negro e periférico como protagonista.