Saúde

Visibilidade e saúde: quando não existir lesa o direito

Não ter informações básicas dificulta o acesso à saúde

ilustrar epidemiologia

Procuro os dados no último censo realizado no Brasil (2.010) e não encontro respostas as minhas questões: como é a população LGBTQIA+ do Brasil? Pergunta que pode ser fruto de uma curiosidade fútil, ou ditada pelo ócio. Também pode nascer de uma estratégia eleitoral para este ano. Negócios também poderiam se beneficiar desta informação (e não estou pensando em sexshop). Mas minha área de atuação é a medicina, minha profissão é ser médico. Brinco que, por não ter intimidade com a matemática, e ter penado por anos com recuperação semestral, saúde teria que ser minha área: engenharia e correlatos, sem chance.

Diferente do que minha ignorância sugeria, os cuidados com a saúde nascem dos números, e complexos. Como saber se a dor no peito que surge no plantão da madrugada nasce de coronárias obstruídas ou de sentimentos obstruídos? Se a idade de quem queixa é anterior à quarta década de vida, maior probabilidade de ser o segundo; se superior, o primeiro. Verdade seja dita, coronárias obstruídas também podem descompensar pela alma sobrecarregada… Mas falei em probabilidade, outro conceito matemático, no seu ramo aplicado, estatística. E quando esta fala sobre saúde, ganha o nome de epidemiologia.

Esta ciência passou a integrar as conversas de todas as pessoas, não importa o grau de escolaridade, nestes anos de pandemia de covid-19. O nome não é citado, mas os temas pertencem a esta área do conhecimento. É seguro usar máscara? Ivermectina mata o SARSCOV-2? Usar cloroquina diminui as chances de morrer? Quem tem maior risco? Existem pessoas que correm maior risco que outras?? Se todos os seres humanos são iguais, porque esta desigualdade? Todos os municípios devem receber a mesma quantidade de ventiladores pulmonares? Todas as idades devem ser vacinadas ao mesmo tempo quando não há vacinas para todos?

As respostas nascem também da epidemiologia, mas não somente dela. Ela fala de números através de taxas, riscos, chances… Mas outros conhecimentos norteiam o que fazer com eles, o que concluir a partir deles. Os princípios éticos adotados por quem neles pensa repercute na decisão tomada. Se a vida econômica é mais importante que a vida das pessoas, serão vacinadas aquelas que estão no mercado formal de trabalho – mas se todas são igualmente importantes, esta distinção não será feita. Se todas as pessoas têm o mesmo valor, profissão, escolaridade, poder financeiro não organizarão a fila. E furá-la será um ato imoral perpetrado através de outro ilegal.

Retornando ao início desta conversa. É importante quantificar a população LGBTQIA+? Respondo com outra pergunta: é importante quantificar quem é católico, evangélico, espírita, umbandista, budista, muçulmano, ateu, agnóstico? Por que o censo pergunta a religião? É importante quantificar quantas pessoas se dedicam a diversas profissões? É importante saber quantas pessoas são vacinadas anualmente?

A saúde, difícil de ser definida, é afetada pela vida que as pessoas vivem. Também é afetada pela idade dos corpos. Assim como pela anatomia e fisiologia deles. Até mesmo pelo valor que lhes é dado! Professores têm maior chance de desenvolverem problemas de voz; motoristas, problemas ortopédicos (dentistas também – já prestou atenção na postura dessas pessoas quando elas atendem você?); vigilantes, vasculares, tipo varizes (cirurgiões também passam horas em pé); coletores de lixo, doenças infeciosas e mordidas de cães (os trabalhadores de hospitais também, exceto as mordidas)…

A orientação afetiva das pessoas atua na saúde e na doença? Ser atraída afetiva e sexualmente por pessoas com a mesma genitália, ou mesmo gênero, faz diferença se a atração for pela genitália ou gênero oposto?* A pessoa que se percebe de um gênero, mas que tem uma genitália que socialmente a designa para outro, tem diferenças na saúde quando comparada com aquela onde gênero e genitália estão, socialmente, em acordo?

Se suas respostas foram rápidas, assertivas, provavelmente foram ditadas pelo preconceito. Porque elas somente são possíveis fazendo as contas. Mas para somar, subtrair, multiplicar e dividir números são necessários. Como fazê-las se as pessoas LGBTQIA+ não existem? Se o IBGE não pergunta a identidade de gênero, a orientação afetiva, como pode ser afirmado que elas têm a mesma chance de adoecer ou de sofrerem cura que as hetero e cis? Se o ministério da saúde não investiga, ele não tem como saber se há pessoas brasileiras com riscos de adoecer diferente de outras; ele não tem como planejar um orçamento para os postos de saúde. Pessoas têm o seu direito básico da melhor assistência possível à saúde negados.

[email protected]

@eduardoribeiromundim

* Ariel Lovegood fez o seguinte comentário: “Precisamos conversar sobre a falácia do “Sexo oposto”. Essa frase, muito usada para falar sobre gêneros, carrega consigo a problemática do apagamento. Ao dizer “Sexo Oposto” reafirma-se a existência exclusiva de gêneros binários, sendo eles, mulher binária e homem binário. A consequência dessa afirmação é o apagamento e invibilização de gêneros trans não-bináries.” Veja o post completo.