Uma publicação anterior apresentou a questão dos suicídios entre pessoas transvestegêneres como um caso de saúde pública. Postei uma chamada no meu instagram, e a promovi durante alguns dias. Cinco pessoas enviaram mensagem sobre o tema: “90% dos suicídios no país são de homens héteros e o cara preocupado com lgtv”; “fodase?”; “LGTV KKKJKKKJKKKJKKK”; outra com emojis de riso; uma com emojis de tristeza e dor.
Pergunto-me se as quatro primeiras se deram ao trabalho de ler o texto. Espero que não, pois como profissional da saúde prescrever um remédio (um texto esclarecedor) para uma “doença” (transfobia) sem sucesso atinge o amor próprio (dizem os especialistas, é uma “ferida narcísica”)… Se não leram, são uma demonstração prática de transfobia.
Retomo o assunto de uma outra perspectiva.
Um grupo de especialistas norte-americanos publicou, em 25.02.22, a pesquisa “Resultados da saúde mental em jovens transgêneros e não-binários que recebem cuidados de afirmação de gênero”. Ela foi realizada com 104 jovens de 13 a 20 anos de idade, que procuraram atenção médica para afirmação de gênero em uma clínica especializada na cidade de Seattle. Foram acompanhados por 01 ano, dentro do projeto do estudo.
Importante frisar que essas pessoas não perderam o acompanhamento no centro após a coleta de dados. Esta foi feita entre as que concordaram em participar do mesmo, sem vínculo com a continuidade ou não do acompanhamento.
O grupo colocou, na introdução do artigo, que apesar de todas as evidências mostrando como a saúde das pessoas transvestegêneres melhora quando são adequadamente atendidas dentro do projeto de migração de um gênero a outro (ou não gênero, ou gênero fluido, ou não binário) há propostas de lei naquele país que criminalizam essa atenção.
O que o estudo encontrou?
As pessoas que participaram e que receberam alguma prescrição hormonal (seja bloqueando a puberdade, seja administrando estrógeno ou testosterona) tiveram 60% menos depressão e 73% menos chances de suicídio que as que não receberam. E o uso dos bloqueadores ou hormônios não se relacionava com crises de ansiedade.
A questão principal não foi o uso de medicamentos hormonais, mas o fato delas estarem em um contexto de receptividade e apoio; dentro deste palco é que a melhoria daqueles dois sintomas deve ser compreendida.
Há algumas falhas no estudo. Por exemplo, analisou um grupo que teve acesso à clínica; qual seria a situação daquelas pessoas que não tinham? O grupo estudado não representa toda a população de pessoas transvestegêneres em aspectos como condição social, etnia, espectro de gênero.
Mas ele também tem pontos fortes. Fez avaliações quantitativas, não qualitativas, com fizeram estudos semelhantes. A análise estatística dos dados foi bastante convincente rumo às conclusões apresentadas.
O suicídio, não importa se entre pessoas cis ou trans, é um problema de saúde pública, para os povos e governos que valorizam a vida de todas as pessoas. Razões que conduzem a este evento são múltiplas e complexas, mas também diferentes, já que a população cisgênera não está submetida aos estresses da transgênera. Medidas preventivas para a cisgênera são implementadas de diversos modos, por organizações governamentais e não governamentais. Mas estas medidas não atingem as causas específicas da população transvestegênere – e, em muitos lugares, há má vontade política para com ela. O estudo mostra que sim, é possível e seguro reduzir o número de pessoas trans que sofrem depressão (e deixam de ser socialmente produtivas, se quisermos usar um discurso utilitarista, assim como reduzem a pressão sobre o sistema de saúde, seja público ou privado) e que tentam contra a própria vida.
Por que a má vontade com medidas tão simples? Transfobias? Medo? Religiões que empobrecem no lugar de enriquecerem seus adeptos?