Direito a Deus

Prefiro um filho morto ou ladrão a um filho homossexual

Até que ponto pais e mães cristãos conservadores são capazes de chegar em suas falas e ações homofóbicas, acreditando estarem fazendo um favor para Deus?

Homofobia Mata - Foto: Arte Canva
Homofobia Mata - Foto: Arte Canva

Essa semana eu estava assistindo no canal Operação Policial do Youtube o caso do assassinato de Itaberli Lozano Rosa, um jovem gay de 17 anos que morava na cidade de Cravinhos/SP e foi espancado, esfaqueado, morto e carbonizado em um crime cuja mentora foi a própria mãe, a qual ainda abandonou o corpo em um canavial, onde foi encontrado após 10 dias do assassinato. 

Itaberli e o seu sonho de ser aceito pela mãe já não estavam mais entre nós. 

E nesse intervalo? 

Nesse intervalo sobreveio a virada de ano e aquela genitora fez um churrasco de comemoração da passagem dos anos 2016 para 2017 como se nada tivesse acontecido. 

No dia 28 de novembro do ano de 2019 a mãe de Itaberli foi condenada a 25 anos de prisão em regime fechado, além de outros dois réus que também foram condenados.

O padrasto de Itaberli de tudo sabia e nada fez, a não ser ajudar a esposa na tentativa de ocultação de cadáver.

Triste relato. Uma mãe que não aceitava o seu filho. Um filho que chegou a postar nas redes sociais as agressões sofridas pela homofobia da mãe.

A família relatou, por ocasião da condenação, que Itaberli era um menino extrovertido, companheiro e muito educado. 

Itaberli já não morava com a mãe. Estava na casa da avó paterna. Isso, contudo, não foi o suficiente para aplacar a homofobia daquela que deveria protegê-lo.

Tatiana, mãe de Itaberli, foi a mentora de uma emboscada, na qual o jovem gay caiu, acreditando que sua mãe queria reconciliar-se com ele. A esperança de ter o amor da mãe conduziu Itaberli para as mãos de Victor e Miller, os dois coparticipantes do crime. 

O caso de Itaberli ganhou repercussão nacional na época. A sua genitora não queria um filho gay e foi até as últimas consequências, tratando de acabar com aquela vida, como um modo de dizer: “toma de volta, Deus, porque assim não me serve”. Ela preferia um filho morto a um filho homossexual.

Um detalhe importante é que Tatiana se dizia evangélica. 

Itaberli não é o único a ser filho de pai e/ou mãe cristãos e homofóbicos. A diferença está no fato de que nem todos os pais e/ou mães chegam a matar os seus filhos, filhas ou filhes (ao menos não concretamente). Muitos, porém, já proferiram a frase de que preferem “o filho morto ao filho gay” ou “a filha morta a ter uma filha lésbica”.  

Será que perante Deus o fato de não matarem fisicamente distingue o sentimento em relação àqueles que o fazem?

Quando os genitores agridem, rejeitam e até expulsam os seus filhos, filhas e filhes de casa, excluindo-os do amparo e proteção familiar, será que não estão matando do mesmo jeito diante de Deus?

Socialmente um ato é crime e o outro pode ser configurado como abandono, o qual é passível de condenação a título de danos morais. Apenas o caso de não cumprimento da obrigação de prestar alimentos é que pode acarretar na prisão em âmbito civil.

Analise comigo, então: um pai que diz que prefere o filho morto a gay, não está dizendo para Deus do mesmo jeito “toma de volta porque veio com defeito”?

E aquele genitor que expulsa seu filho, não teria o sentimento de “sai de perto de mim. Assim você não me serve”?

Será que existe diferença para Deus? Ou ao final a mensagem é a mesma: “toma de volta. Assim não me serve”?

Ah, mas não são os mesmos que pregam um Deus que faz tudo perfeito?

E Ele faz mesmo! Quem complica é o ser humano.  

Sinto-me privilegiada por nunca ter ouvido uma frase dessas dos meus pais, mas conheço vários gays e lésbicas que passaram por essa lamentável experiência.  

É triste pensar que muitos desses pais e mães chegaram a pedir tanto a Deus por um filho, e só porque não aceitam a orientação sexual, agora voltam o olhar para o céu e dizem: “leva, porque assim eu não quero. Toma de volta. Esse veio com defeito inadmissível”.

Conheci uma jovem, cuja mãe chegou a orar junto com ela durante 10 anos pedindo para que Deus a levasse, pois não conseguia conviver com a possibilidade de uma filha lésbica.

Traumas psicológicos gerados? Muitos!!!

Chocante? Sim! Chocante e real. Infelizmente.  

Em sua grande maioria são pais e mães cristãos religiosos conservadores, ainda que não praticantes. Irem ou não regularmente a igreja não importa.

O que importa é que ouviram a vida inteira o discurso de que ser homossexual é algo pecaminoso e odioso, de modo que a aversão gerada em seus corações atinge aqueles outrora tão amados ou tão desejados. 

Alguns acreditam que se acolherem seus filhes, correrão o risco de desagradarem a Deus. Conheço mães evangélicas que pensam assim.

Preferem, então, dar ouvidos ao que a sociedade e ao que a igreja dizem, em detrimento da felicidade do filho, filha ou filhe.  

Interessante as escolhas que muitas vezes são feitas. Vou fazer uma analogia em relação as posturas adotadas pelos conservadores religiosos.

Quando lemos o Evangelho Segundo Mateus 27:20, lá está escrito que Pilatos chegou a perguntar para a multidão mais de uma vez quem eles gostariam que fosse solto, Jesus ou Barrabás, o salteador. 

A passagem descreve que “os príncipes dos sacerdotes e os anciãos persuadiram à multidão que pedisse Barrabás e matasse Jesus”. 

Os príncipes dos sacerdotes eram os religiosos da época, que não aceitavam Jesus e o tinham como uma ameaça ao Judaísmo corrompido. Cristo era uma ameaça ao sistema religioso da época e os fariseus só tinham um sentimento: “crucifica-o. Mata porque esse Cristo aí não nos serve”. 

Os judeus esperavam que o Messias fosse enviado. No entanto, eles queriam um Cristo à moda deles. Jesus não era bem o que eles desejavam.

“Vamos matar, então! Ainda estaremos fazendo um favor para Deus”, era o sentimento. 

Mas não havia nele pecado algum.  

Não importa! 

Repito: não havia nada de errado com Jesus. Pilatos mesmo disse que não havia nele crime algum.

Não importa!

E as tentativas de livrá-lo só causaram mais tumulto na multidão. Influenciada pelos religiosos, e também acreditando estarem fazendo o certo, continuavam a gritar “crucifica-o”.  Em outras palavras: “não nos serve”. 

Pilatos, então, lava as mãos e entrega ao povo. 

O padrasto de Itaberli também lavou as mãos e deixou o jovem ser morto, mesmo ouvindo os gritos de socorro. O relatório policial diz que Itaberli chegou a gritar: “mãe, estão me matando”.  

O padrasto tudo ouviu. Nada fez para impedir a morte. Só agiu depois para ajudar na ocultação do corpo.  

Interessante a facilidade com a qual os mais religiosos resolvem as situações que lhes parecem inaceitáveis. E ainda acham que estão agradando a Deus.

Como eu digo: apode cegar e tornar irracional.

Fato é que Cristo morreu, mas ressuscitou.

Itaberli não… apenas se foi. Como tantos outros se foram pelo simples fato de serem LGBTQIAP+. Nos dizeres antigos “seja por morte matada, por morte morrida” ou morte suicidada, se foram… 

Na parte da família que amava Itaberli, ficou a saudade.

Por parte de nós LGBTQIAP+, fica um sentimento de tristeza profunda por saber até que o ponto a homofobia religiosa pode levar um pai ou uma mãe.

Quantos mais Itaberli’s serão rejeitados e mortos fisicamente por quem tem o dever de proteção? 

E quantos mais serão mortos no pensamento e no coração desses genitores, simplesmente por serem gays, lésbicas, transgênero ou não-bináries? 

Mortos sim! No momento que expulsam de casa ou exclamam que preferiam o filho morto, já o estão matando.  

O desejo é o mesmo. O sentimento é mesmo. “crucifica-o! Toma de volta, Deus, porque assim não me serve!”.

Porque quando meu pai e minha mãe me abandonarem, o Senhor me acolherá“. (Salmos 27:10 – Salmo de Davi. Sábio rei Davi)

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