Há uns meses, vi um debate entre um pastor conservador e uma pastora inclusiva, no qual ele disse para ela: “você quer mudar um ensino de séculos”.
Eu pensei na hora: “e se for necessário mudar?”
A doutrina protestante surgiu de uma Reforma que precisava ser feita. A própria igreja católica não se orgulha dos atos praticados por seus antecessores durante a Idade Média.
Se analisarmos a história, veremos que do mesmo modo que os reformistas protestantes buscavam corrigir os erros praticados pela Igreja Católica durante a Idade Média, os teólogos inclusivos têm se debruçado sobre os contextos linguístico, histórico, cultural e social da época das Escrituras, para demonstrar os equívocos ensinados há séculos acerca das pessoas LGBTQIAP+.
E não há nada de novo em se recorrer aos contextos linguístico, histórico, social, cultural. As inúmeras Bíblias de Estudo utilizam exatamente essas fontes fora das escrituras para trazer informações que auxiliem na pesquisa. Algumas vezes a própria Bíblia explica determinada passagem, a exemplo do trecho de Sodoma, cujos Livros de Ezequiel, Isaías e Jeremias explanam qual foi o pecado daqueles homens, assim como o próprio Jesus explicou. Mas nem sempre a Bíblia explica por si só.
Pois bem. No Século XIV, o padre e teólogo John Wyclif apresentou uma série de críticas às doutrinas católicas, pregando a salvação pela fé e contra a venda de indulgências.
Mais tarde, no Século XV, um homem chamado John Huss pregava contra os abusos da Igreja Católica.
Tanto John Wyclif quanto John Huss são precursores da Reforma Protestante. O pensamento de mudança da igreja começou neles e influenciou a Reforma que se concretizou pelas mãos de Martinho Lutero.
No Século XVI, mais precisamente em 1517, o monge alemão Martinho Lutero compilou as Noventa e Cinco Teses, nas quais constava uma lista de reformas necessárias na Igreja Católica. Iniciava-se a Teologia Protestante.
Quatro séculos passaram, até que, no Século XX, mais precisamente em 1955, na Inglaterra, um Sacerdote da Igreja Anglicana chamado Derrick Sherwin Bailey (1910-1984) escreveu um livro chamado “Homosexuality and the Western Christian Tradition” (Homossexualidade e Tradição Cristã Ocidental), apresentando novas interpretações dos versículos usados para condenar a homossexualidade. Era o início da Teologia Inclusiva.
Da mesma forma que no tempo de Lutero a Teologia Protestante foi fundamentada na afirmação bíblica de que a “Salvação é pela Fé”, atualmente a Teologia Inclusiva possui como fundamento a afirmação bíblica de que a “Salvação é pela Graça” e “Deus não faz Acepção de Pessoas”.
Martinho Lutero não imaginava que suas pregações alcançariam proporções continentais. A imprensa, inventada em 1436, por Johannes Gutenberg, propiciou o ambiente necessário para que as ideias do monge fossem disseminadas.
A Igreja Católica, todavia, apesar de reconhecer hoje os erros do passado, na época não cedeu, ainda que tenha promovido a Contrarreforma e realizado algumas mudanças. O fato é que a Reforma Protestante mudou a história do cristianismo, e era uma mudança necessária.
Derrick Baileynão promoveu a “revolução” que Lutero fez. Mas a repercussão da sua obra abriu o caminho para descriminalização da homossexualidade na Inglaterra e no País de Gales uma década depois.
Além disso, a partir de Bailey, outras publicações semelhantes surgiram, sendo a principal delas a obra Cristianismo, Tolerância Social e Homossexualidade, do historiador americano John Boswell, publicada em 1980.
Assim como surgiram Igrejas a partir de Lutero, a exemplo da Igreja Luterana, também foram surgindo Igrejas Inclusivas, a exemplo da Metropolitan Community Church, fundada nos Estados Unidos por Troy Perry, um ex-ministro da Igreja Batista, em 1968.
No Brasil, conforme explica o professor Alexandre Feitosa na obra Conhecimento e Graça, os primeiros grupos de cristãos inclusivos surgiram na década de 90. A partir do ano 2000 as igrejas inclusivas começaram a tomar a forma que conhecemos hoje. Em 27 de maio de 2002, o pastor Victor Orellana, oriundo da Assembleia de Deus, fundava, em São Paulo, a Igreja Cristã Acalanto.
E eu sempre me recordo da passagem bíblica de Atos 5:34. Gamaliel era um fariseu, doutor da lei, e tinha sido o instrutor de Saulo (Paulo). Em uma ocasião, na qual alguns apóstolos haviam sido presos, ele disse o seguinte: “Dai de mão a estes homens, e deixai-os, porque, se este conselho ou esta obra é de homens, se desfará, mas, se é de Deus, não podereis desfazê-la“.
Sábio Gamaliel!
Do mesmo modo que a obra por meio dos apóstolos foi crescendo, e a doutrina protestante também, as Igrejas Inclusivas têm aumentado cada vez mais, trazendo a verdade para tantos LGBTQIAP+ que viviam e ainda vivem aflitos.
Entretanto, como a História sempre se repete, os atuais cristãos, assim como os seus pares no passado, demonstram não ter aprendido a lição e nem a sabedoria de Gamaliel, condenando a Teologia Inclusiva. Sem excluir, claro, a própria Igreja Católica que, por meio do Vaticano, repete o erro de outrora.
Ainda que o Papa Francisco, depois de ter sido um ferrenho opositor do casamento igualitário na Argentina, aparente estar tentando tomar um posicionamento distinto daquele que tomou enquanto era o Cardeal Bergoglio, o Vaticano não tem demonstrado a mesma disposição.
O mito em torno de Sodoma ser sinônimo da homossexualidade, enquanto orientação sexual, já deveria ter sido descartado sem contestação, como de fato já é por várias igrejas tradicionais. Mas desconstruir Sodoma é desconstruir vários textos Bíblicos que são usados para nos condenar. E parece que isso assusta os religiosos conservadores, como se reconhecer que Sodoma não diz respeito aos homossexuais configurasse uma “carta de confissão” de que estão errados e de que foram instruídos de forma errada.
Do mesmo modo, a Teologia Inclusiva tem ensinado que havia uma cultura de idolatria pagã por trás de Deuteronômio 22:5, de Levítico 18:22 e de Romanos 1:26-27, assim como o equívoco em traduzir “arsenokoitai” como “homossexuais” em I Coríntios 6:9-10.
Pergunto-me, então, quanto tempo levará até que os católicos e evangélicos reconheçam que estão ensinando errado quando insistem em dizer que não temos parte no Reino de Deus. E veja que o Reino é de Deus!!
Há uma necessidade atual de refletirmos na postura das Igrejas em relação à Teologia Inclusiva e aos cristãos LGBTQIAP+, para entendermos o que tem ou não fundamento nas Escrituras.
A Teologia Inclusiva busca a Verdade, assim como Lutero buscou um dia.