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Língua

Todes? Especialista fala sobre a incorporação da linguagem neutra nas escolas

O intento da linguagem neutra é fornecer uma comunicação mais inclusiva

Publicado em 24/08/2021

Para discutir sobre a linguagem neutra nas escolas é imprescindível trazer à luz um debate que transcenda questões ideológicas e partidárias. O ideal é abrir uma discussão abrangente, manter a pluralidade de ideias e argumentar com maturidade. Especialistas contrários à pauta de linguagem neutra dizem que todes não existe, nem todas, o Todo já acopla a todos, qualquer outra variação ficaria redundante ou absurda.

Esta discussão, na verdade, tem ganhado robustez por conta, ironicamente, de quem é contra. Conservadores têm satirizado o tema por meio das redes sociais e se manifestado veementemente em discordância, e o resultado é que a linguagem virou pauta. As pessoas buscam cada vez mais a respeito. E se o intento da comunicação é tornar comum, naturalmente está se tornando. A priori, muitos entendedores ou não do assunto já destacaram que a escola não iria absorver uma nova linguagem. A precariedade do ensino era assunto mais sério.

Outros aludiram esta medida à obra de George Orwell, “novilíngua”, no livro 1984, sobre “ressignificar” palavras que já existem. O intento da linguagem neutra é fornecer uma comunicação mais inclusiva especialmente com sujeitos não-binários, que rejeitam todo e qualquer marcador identitário inscrito na regra do masculino e feminino. A não-binaridade pode ser entendida como a não identificação do sujeito como binário. Ele pode transitar de forma fluida ou não se categorizar dentro do espectro de homem e mulher. A filha de Eminem é mais um exemplo de pessoa não-binária, mas que aceita ser chamada por todos os pronomes.

O tema também motivou uma proposição da deputada estadual Ana Caroline Campagnolo, editada em decreto do Governo do Estado. O documento prevê a obrigatoriedade do uso da norma culta da Língua Portuguesa.

Ano passado, o Observatório G conversou com o especialista em linguagem, o professor André Valente, Bacharel em Letras pela FFLCH-USP, professor de língua portuguesa e literatura, pós-graduando em Estudos Brasileiros pela FESPSP, que discorreu acerca do tema.

“Do ponto de vista dos estudos linguísticos, quando falamos de uma língua, estamos falando de algo que tem, pelo menos, duas dimensões: uma estrutural formada por sons, palavras, frases, que pode ser representada pela fala ou pela escrita, conhecida pelo senso comum como gramática; outra que é a do uso da linguagem para expressar emoções, ideias, propósitos, identidades, etc, em variadas situações de comunicação, que podemos chamar de discurso”, explicou. “Em síntese: não são as pessoas que servem a uma entidade abstrata, a língua; mas sim, a língua que serve às pessoas”.

Mudanças na linguagem

“Atualmente, podemos verificar que algumas palavras estão passando por uma fase de mudança de seu gênero, como é o caso de “aguardente”, “alface”, “ferrugem”, “avestruz”, “diabete(s)”, “modelo”, “sabiá”, “soprano” entre outras, que hoje são usadas tanto no masculino, como no feminino”.

“Toda essa explicação nos mostra que, embora a língua tenha suas regras próprias, que não se modificam de acordo com a vontade de indivíduos ou por força de decretos, leis, manifestos ou outros meios artificiais, tampouco é certo dizer que ela não muda ou que alguma mudança é inviável, afinal, não há nada que impeça a língua de aderir a formas, inclusive que não fazem parte de sua estrutura. Este é o caso, por exemplo, da expressão “testar positivo”, que vem sendo amplamente usada no contexto da pandemia do coronavírus, sem nenhum tipo de resistência por parte de especialistas, nem da sociedade como um todo, nem de nenhum político que se apresente como defensor do patrimônio cultural da nação representado pela língua”. 

“Quando se diz “Ela testou positivo.” ocorre o fenômeno chamado de decalque, que é a tradução literal de um termo de uma língua para outra. Neste caso, usa-se o efeito de um teste como complemento, como se estivesse dizendo: Fiz o teste e deu positivo”.

“Outro exemplo é o dos pronomes de tratamento “senhor”, “senhorita” e “senhora”; enquanto “senhor” é um tratamento cerimonioso empregado para homens, desde a adolescência, no mínimo; as mulheres, enquanto solteiras, são tratadas como “senhorita”, não importando a idade que tenham, passando a ser “senhoras” apenas quando se casam e passam a ser esposas do senhor, como do patrão. O mesmo ocorreu, em 2010, quando a então candidata à presidência do país, Dilma Rousseff optou por utilizar o vocábulo “presidenta” para se referir à pessoa dela ao ocupar o cargo máximo do país”.

“Na sociedade, ninguém tem que pedir permissão para que uma expressão, palavra ou ideia seja usada nas relações sociais, principalmente, em contextos de informalidade, que são a maioria em nosso dia a dia; isso simplesmente acontece, independente das vontades de quem é a favor ou contra e, até mesmo das opiniões de intelectuais, políticos e de outras personalidades”.

Implementar o neutro nas escolas 

“Sobre as escolas, nunca se falou em acabar com o masculino e o feminino, nem em neutralizar tudo; nunca se disse que os estudantes passariam a se sentar em “cadeires”, a escrever com “canetes”, a carregarem os materiais em “mochiles”, isso é de uma simplificação que beira o absurdo e aponta para uma deturpação intencional da discussão, com o intuito de jogar a opinião pública contra as pessoas que propõem o debate. O que se propõe é um tratamento inclusivo para pessoas, seres humanos não-binários e ou grupos heterogêneos. Qualquer outra ideia é fruto de fake news, que aliás, não é uma expressão em português, não faz parte de nossa língua e foi perfeitamente incorporada ao nosso vocabulário, sem nenhuma resistência também”. 

“Ninguém está propondo que as escolas abandonem o ensino da norma culta, como um dos deputados colocou em seu Projeto de Lei. O que se propõe é ensinar que a língua é uma forma de refletir a sociedade em que vivemos e que é variável. Que as palavras não são neutras, elas fazem parte das relações sociais. Que, se no passado, masculino e feminino bastavam, hoje, não bastam mais”.

“Negar que a escola tem o direito e o dever de promover debates como este é negar o que a Constituição Federal preconiza em seu artigo 206, que preceitua que “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; / III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino. Como falarmos em liberdade, em pluralismo de ideias, se a cada tentativa de se colocarem estes princípios em prática, governantes e legisladores utilizam-se de seus poderes para impedir que a escola cumpra a Constituição?”.

Infringir o português

“Não há nada que infrinja as “regras” do português, uma vez que a norma culta é reconhecida pelos estudos linguísticos, pelas legislações vigentes e até pelo senso comum da sociedade apenas como uma das possibilidades da língua, uma idealização que não encontra aplicação total em nenhum âmbito, um padrão que se sustenta em uma visão platônica de língua, distante da realidade, mas que ainda tem seu lugar em contextos formais”.

“Educar linguisticamente significa tornar os estudantes poliglotas na própria língua, capazes de compreender a língua e suas variações e, assim tornar-se aptos a falar, a escrever e a ler textos diversos, em situações diversas, respeitando a linguagem própria de cada situação. Se queremos, de fato, desenvolver o senso crítico de nossas crianças, não será cerceando o direito ao conhecimento que conseguiremos isso”.

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