Direito a Deus

A Bíblia além da letra Parte III – O culto aos Carvalhos

Apesar de os religiosos defenderem a leitura literal dos textos usados para condenar LGBTQIAP+, a verdade é que a Bíblia fala de idolatria por meio simbólico

As cruzadas da Igreja combateram os rituais pagãos. Foto: Reprodução
As cruzadas da Igreja combateram os rituais pagãos. Foto: Reprodução

Conforme já explanei em outros posts, muitos dos textos bíblicos usados para condenar pessoas LGBTQIAP+ falam, na verdade, de atos praticados em rituais de adoração a deuses pagãos. A despeito de o conservadorismo defender a leitura dessas passagens na literalidade, na maioria dos textos a Bíblia apresenta os rituais pagãos de maneira simbólica ao retratar a condenação de Deus a atos voltados para adoração do Sol (deus Rá), da Abóboda (deusa Nut), do Bosque (deusa Astarte), ou ao descrever atos como “não usarás vestes de mulher e nem a mulher usará vestes de homem, porque isso é abominação” (descrito no livro de  Deuteronômio 22:5 e que se refere aos rituais feitos em adoração à deusa Astarte).

Ou seja, tais atos não são condenados em si, mas o são porque eram meios para se alcançar uma finalidade específica: a idolatria.

Certo é que uma simples leitura dessas passagens não nos fornece as informações necessárias para se compreender de forma plena o texto. Em decorrência disso, lésbicas, gays e transgênero têm sofrido com uma condenação que na verdade nunca existiu.

Quando a Bíblia cita a condenação do povo de Israel pela adoração ao carvalhos, estamos diante de mais um texto que traz a idolatria dos povos pagãos de maneira simbólica.

No capítulo 1 do Livro de Isaías, o profeta tem uma visão na qual Deus relata a queda de Israel, os pecados cometidos, dizendo que o povo de prostituiu praticando idolatria. Os versículos 29-30 dizem:

“Porque vos envergonhareis pelos carvalhos que cobiçastes e sereis confundidos pelos jardins que escolhestes. Porque sereis como o carvalho, ao qual caem as folhas, e como a floresta que não tem água”.

Qual problema existe em torno de um carvalho?

O carvalho é uma árvore muito ligada a religiosidade desde os tempos antigos. Os frutos produzidos pelo carvalho (bolotas) já foram reunidos durante a noite de São João para serem usadas em rituais de fertilidade. O barulho das suas folhas já foi associado a mensagens divinas, levadas pelo vento como seu mensageiro. Queimar as folhas de carvalho é uma forma de purificar o ambiente, assim como o carvalho é usado em rituais de proteção, força, sucesso, fertilidade e estabilidade.

Os Celtas acreditavam que a paisagem com carvalhos estava cheia de espíritos. Os espíritos do carvalho estavam associados à fertilidade e considerados centros de sabedoria. 

Nessa linha, quando o livro de Isaías fala dos Carvalhos, está se referindo à adoração que os hebreus haviam aderido.  Inclusive, essa prática idólatra está associada às condenações bíblicas em relação aos bosques, onde muitas divindades pagãs eram adoradas.

Importante relembrar que quando Deus tira o povo de Israel do Egito, uma das primeiras advertências Dele para os hebreus diz respeito à idolatria:

“Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.
Não terás outros deuses diante de mim.
Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.
Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam.” (Êxodo 20:2-5)

Entretanto, desde os primeiros tempos após a saída do Egito, o povo se corrompeu com a idolatria.

Nesse sentido, do mesmo modo que os povos pagãos, os hebreus adoraram árvores, como os carvalhos. A obra Mitologia Grega e Romana, de P. Commelin, com tradução de Thomaz Lopes, traz o seguinte relato acerca da adoração aos bosques:

Os grandes bosques, tanto quanto os mares, os lagos, as águas correntes e profundas, inspiraram os primeiros homens um terror religioso, o mugido ou murmúrio do vento nas grandes árvores causava-lhes uma emoção que transportava o seu pensamento para um poder superior e divino. Assim as florestas e os bosques foram os primeiros lugares destinados aos cultos da divindade. Além disso foi nos bosques que os primeiros homens fixaram a sua morada, e era natural que fizessem habitar os deuses onde também eles habitavam. Escolhiam os sítios mais sombrios para o exercício da sua religião. Parecia-lhes que na meia claridade, sob as sombras quase impenetráveis aos raios do Sol, a divindade se aproximava mais facilmente deles, comunicava-se mais livremente e prestava mais atenção às suas preces. Mais tarde, quando reunidos em sociedade, os homens construíram templos. A arquitetura desses edifícios, pelas suas altas colunas, as suas abóbadas, a sua semi-obscuridade, lembravam ainda a floresta dos tempos primitivos”.

Por sua vez, o mesmo livro fala da adoração aos carvalhos, que passaram a ser conhecidos na Grécia como culto “as dríades”:

“Da palavra grega drus, ‘carvalho’, vem o nome de Dríades, que eram as ninfas protetoras das florestas e dos bosques. Tão robusta como frescas e lépidas, elas podiam errar em liberdade, formar coros de dança em redor dos carvalhos que lhes eram consagrados e sobreviver às árvores colocadas sob a sua proteção. Podiam casar; Eurídice, mulher de Orfeu, era Dríade. Acreditando os povos na existência real dessas divindades florestais, tinham muito cuidado em destruir os grandes bosques. Para cortar as árvores era preciso consultar os ministros da religião, e deles obter a certeza de que as Dríades as tinham abandonado. Representam-se essas ninfas sob a forma de mulheres cujo corpo, na sua parte inferior, termina em uma espécie de arabesco, exprimindo por seus contornos alongados um tronco e as raízes de uma árvore. A parte superior, sem nem um véu, é sombreada por uma abundante cabeleira que flutua sobre as espáduas ao capricho dos ventos. Enfeita-lhes a cabeça uma coroa de folhas de carvalho.”

Logo, do mesmo modo que a bíblia traz simbologias de deuses (sol, abóboda, bosque), ela também fala de rituais a esses deuses (Levítico 18:22, Deuteronômio 22:5 e Romanos 1:26-27 são exemplos disso), sem, contudo, trazer informações expressas, sendo necessária a pesquisa de fontes externas. E é isso que a teologia inclusiva tem feito para descortinar os textos utilizados indevidamente para condenar LGBTIs.

Inclusive, durante as Cruzadas Cristãs da Igreja (Idade Média), essas árvores foram derrubadas por causa dessas crenças.

Interessante destacar que os que defendem a leitura literal das escrituras nem percebem [ou não querem perceber] que as várias Bíblias de Estudo são formadas através de pesquisas de fontes históricas, arqueológicas, culturais, sociais e linguísticas. Você já parou para pensar nisso?

Ou seja, as Escrituras não podem ser lidas sempre na literalidade. E é essa análise além da letra que tem demonstrado que nunca houve condenação bíblica para pessoas LGBTQIAP+.

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