Dois assuntos tratados anteriormente se casam nesta texto. O uso de linguagem neutra e a atividade parlamentar de um vereador de Belo Horizonte. Ariel Lovegood, agora com certidão de nascimento onde consta “sexo: não binário”, falou sobre o que é esta linguagem. A seguir, exemplos de sua aplicação foram fornecidos. Nikolas Ferreira protagonizou um episódio de transfobia complexo, envolvendo sua irmã, menor de idade. Agora, a Câmara Municipal de Belo Horizonte aprovou, em primeiro turno, uma lei municipal proibindo o uso da linguagem neutra nas escolas da cidade.
Justificativas para a lei
Segundo as faixas retratadas em foto de jornal daquela capital, a lei é necessária porque:
– “não existe linguagem neutra, existe língua portuguesa”
– “a linguagem neutra é excludente e totalitária”
– “deixem nossas crianças em paz”
Segundo as falas atribuídas àquele parlamentar, sua iniciativa se justifica porque:
– “Não existe inclusão em aprovar a linguagem binária. Isso piora as condições para cegos, surdos e disléxicos. Todos serão prejudicados”
– “A sala de aula não é um bar. É um local litúrgico para ensinar”
Parlamentar do Novo, Flávia Borja teria afirmado que a linguagem neutra é chilique, não leva ninguém ao suicídio e é heteronormativa.
O que pensar?
É um recurso inteligente das pessoas LGBTQIAP+fóbicas apelar para a irracionalidade. Frequentemente as crianças são o recurso utilizado. Afinal, informá-las que as pessoas podem ter, constitucionalmente, genitálias diferentes do gênero que lhes foi atribuído ao nascer, as ameaça. Se não ser heteroafetivo e não ser cisgênero é algo “contagioso”, o número de pessoas LGBTQIAP+ seria muito superior aos possíveis 20% do total. Afinal, um problema “contagioso” que afeta 2 em cada 10 pessoas se alastraria com rapidez. Isso nunca aconteceu…
Informar as crianças que há uma maneira de incluir todos os gêneros em palavras neutras as ameaça onde? Os pais serem flagrados escondendo a realidade delas? Ou mentindo?
Gostaria de compreender como a palavra “todes”, substituindo todos e todas, exclue alguém…
Pessoas com deficiência auditiva teriam dificuldade com ela??? Alguém perguntou a elas? Realizou um estudo científico bem estruturado? Se a linguagem neutra for baseada no uso da letra “X” ou do símbolo “@” as pessoas com dislexia terão dificuldade. Mas não existe somente esta proposta. Há outras.
Para os contrários, na linguagem portuguesa não existem as palavras “recorde”, “e-mail”, “futebol”, “checape” e milhares de outras incorporadas de outros idiomas. Nikolas deveria, por coerência, propor uma lei banindo estes termos.
E o suicídio?
Flávia não tem consciência (assim espero) do que significa ser pessoa excluída do social. Isto perdoaria o comentário do chilique e do suicídio. Este tema já foi abordado neste espaço em algumas ocasiões (15.03.22, 03.04.22, 17.03.22). Para quem realmente deseja aprender sobre o assunto está clara a percepção de que a língua excludente é um dos aspectos – não o único – promotores de autoextermínio.
É curioso que partidos que dizem defender a vida não o fazem quando situações concretas além do aborto (legal ou clandestino) são apresentadas. Para eles, somente a vida de crianças não nascidas importa. Após o parto, deve ser “cada um por si”.
A legalidade
É curiosa a opção da Câmara Municipal ao colocar em votação um projeto de lei cuja constitucionalidade está em discussão no STF. Decisão do Ministro Facchin suspendeu uma lei semelhante em Rondônia. E a Procuradoria Geral da República concorda com a argumentação do magistrado. Em síntese:
– estados e municípios não têm competência legal para legislar sobre currículo escolar
– o Ministério da Educação estabelece a valorização das diferentes variedades do português e a valorização da linguagem dos diversos grupos sociais
– a linguagem neutra busca cancelar a subordinação de um gênero ao outro
– a escola é o local onde “a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” ocorre
Parece que “local litúrgico para ensinar” é onde não há discussão, confronto de ideias, estudo das dúvidas, democracia. Mas imposição de conceitos e amarra de viseiras.