Quando falamos de família e do ambiente familiar, logo pensamos em conforto, segurança, apoio e com certeza, amor. Isso é porque todas essas coisas estão atreladas umas às outras para nós, sempre temos a visão de que o ambiente familiar deve ser aquele que nos acolhe e protege. Mas infelizmente, muitas vezes o lugar e as pessoas que deveriam nos passar confiança, que deveriam nos apoiar e amar independente de qualquer diferença, é onde menos nos sentimos seguros e à vontade. Para muitas pessoas que fazem parte da comunidade LGBTQIA+, estar em casa com a família pode ser algo torturante, que acaba nos afetando psicologicamente.
A falta de aceitação vinda de que quem mais amamos, pode mexer com nossa saúde mental, de uma maneira que nem sequer imaginamos, e isso passa a refletir também em nossa saúde física. Por isso, visando construir um ambiente onde todos se sintam seguros, o Observatório G bateu um papo com a psicóloga Thaís Ventura, especializada em Saúde Pública com ênfase em Saúde da Família. Há mais de um ano, Thaís decidiu começar estudos voltados à área de gênero e sexualidade, a fim de compreender melhor as especificidades e necessidades da comunidade LGBTQIA+.
A profissional conta que 90% dos pacientes que atende pertencem a população LGBT, e que muitos relataram que precisam conviver em um ambiente com familiares preconceituosos. De acordo com ela, o período de pandemia ajudou para que esses relatos aumentassem, devido ao isolamento que foi adotado como medida de prevenção contra a Covid-19. “O período de pandemia foi um dos agravantes dessa situação, uma parte desses pacientes hoje preferiram sair de casa, alguns deles acabaram se mudando inclusive no período da pandemia, por causa da convivências frustrantes” relata Ventura.
Ela também alerta que boa parte do preconceito dirigido a pessoas LGBTs, partem dos próprios familiares. “Grande parte do preconceito sofrido pelas pessoas da comunidade vem de dentro dos próprios familiares e amigos. Então eu tenho pacientes que hoje ainda moram com os pais e acabam vivendo com essas situações cotidianamente, quando não é um preconceito verbal desferido ali no convívio, tem a invisibilidade. As pessoas acabam sendo ignoradas, ficam invisíveis diante das pessoas que moram na casa”. afirmou durante conversa.
Thaís falou também a respeito dos efeitos que essa discriminação, vinda de pessoas as quais deveriam nos apoiar e confortar, podem causar, e como evitar que isso leve a situações drástica para a saúde, tanto mental quanto física. “Eu acredito muito que a família, da mesma forma que ela é um fator de proteção, do sentido de quando a gente alguém que apoie a pessoa LGBI+ nesse ciclo de convivência adulto, os impactos são menores. Ao mesmo tempo, é possível entender que a família é um fator de adoecimento, então uma das questões que a gente precisa fazer, é trabalhar um pouco com essa família”.
“Mostrando para ela que uma pessoa que aceita a pessoa LGBTI+, um adulto que tem esse acolhimento, a chance de por exemplo, suicídio, diminui os impactos em 40%. Eu acredito muito que o acolhimento é um fator primordial, a escuta atenta, você ter aquele momento, sentar com a pessoa, ouvir o que ela tem para dizer, se colocar à disposição. O diálogo e o apoio são complementares” afirma a profissional. Ventura afirma também que essa abordagem e ação ajuda com a elevação da auto estima da pessoa.
“Diminui o impacto de estresse, o impacto de ansiedade, de depressão, tudo isso. O mundo fora de casa para a pessoa LGBTI+ já é aversivo, se dentro de casa também for, imagina o aumento de possibilidades de adoecer que isso acarreta. Eu acho que esse trabalho com a família é muito importante, e que a pessoa precisa sempre buscar fazer para que ela consiga se fortalecer, enquanto a auto estima, enquanto a saúde mental. Então, é importante buscar terapia, fazer atividades físicas, e o foco na atividade física na saúde mental não é o emagrecimento, mas sim a liberação de hormônios que são super positivos para a sensação de bem-estar, para a sensação de felicidade.” declara Thaís.
Ela termina dizendo que a sociedade precisa rever as percepções e buscar ouvir as pessoas LGBTs, prestar atenção no que a comunidade tem a dizer. Ventura também diz que é importante se manter a par dos números e taxas de suicídio, violência e discriminação. “Se essas pessoas estão morrendo, estão sendo assassinadas de forma cruel, isso quer dizer alguma coisa para a gente. Quer dizer que o ódio e a violência estão muito atrelados ao nosso dia a dia! Então, famílias, por favor, se abram a conversar, se abram a entender, e façam com que as casas dessas pessoas sejam casas de acolhimento, um porto seguro para nós que somos pessoas LGBTs. Por favor, se abram ao diálogo!” conclui.